A resposta do relativismo — por exemplo, na sua mais recente inclinação «desconstrucionista» — a esta questão [como é a metafísica possível?] é, muito simplesmente, que a metafísica não é possível, porque é o produto ilegítimo da soberba intelectual do ocidente, a busca equivocada por uma inexistente verdade «objectiva» e «total», orientada por princípios lógicos supostamente intemporais e universais. A verdade e a razão, segundo esta perspectiva, são conceitos ligados à cultura e cuja utilidade é estritamente limitada. Considera-se absurda e paradoxal a noção de que possa haver uma «estrutura fundamental da realidade» para a discernirmos, porque aquilo a que chamamos «realidade» é sempre (supostamente) apenas uma construção humana, saturada de interpretações motivadas pelo interesse. A minha resposta a afirmações antimetafísicas deste género é a seguinte: Em primeiro lugar, na medida em que não passam de meras asserções, insustentadas por argumentos racionais, não merecem ser levados a sério. O facto de os seus defensores amiúde desprezarem a própria argumentação racional — sendo esta um dos principais alvos do seu ataque — não obriga de modo algum os defensores da metafísica a levá-los a sério. Se os relativistas desejam denunciar a noção de argumentação racional como artefacto cultural provinciano, então negam a si próprios qualquer suporte para as suas afirmações que não seja o preconceito entranhado, e devia bastar-nos deixá-los chafurdar aí à vontade, se isso lhes dá satisfação. Em segundo lugar, se alegadamente há indícios que sustentam estas afirmações — de género sociológico ou antropológico, por exemplo — então tem de se chamar a atenção para que na verdade tais indícios, como estão disponíveis, nada sustentam de tão extremo: não mostram nem podem mostrar que os seres humanos são incapazes de superar concepções do seu mundo, ligadas à cultura e motivadas por interesses, mas, quando muito, que por vezes não o conseguem fazer. Na verdade, o próprio facto de alguns seres humanos terem descoberto que muitos seres humanos não conseguem fazer isto não mostra senão que somos capazes de tal superação. Em terceiro lugar, é característico do ataque relativista à metafísica o distorcer deliberadamente aquilo que procura denunciar. Representa os metafísicos com pretensões a vislumbres infalíveis sobre verdades eternas e universais, isentas de qualquer perspectiva humana. Mas só o metafísico mais ingénuo e dogmático faria afirmações tão grosseiras. Um dos principais objectivos da metafísica é precisamente compreender, até certo ponto, a nossa própria relação com o resto da realidade e inevitavelmente compromete-se a fazer isto a partir da posição em que nos encontramos. O facto de não podermos sair de nós próprios para estudar essa relação não implica forçosamente que não a possamos estudar de todo em todo.
13 de agosto de 2008 ⋅ Blog
E. J. Lowe: "The Possibility of Metaphysics"
Vitor Guerreiro
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6 comentários :
Pede-se ideias à comunidade:
"... é característico do ataque relativista à metafísica o distorcer deliberadamente aquilo que procura denunciar. Representa os metafísicos com pretensões a vislumbres infalíveis sobre verdades eternas e universais, isentas de qualquer perspectiva humana."
Neste excerto, acima publicado, "vislumbres", embora não pareça, está em lugar de "insights". Esta palavra é particularmente difícil de captar e "vislumbres" não capta bem a ideia, além de remeter para uma atmosfera religiosa. "Elucidar" é bom mas não parece dar-nos uma palavra que encaixe bem em contextos como este. Além disso, "insightful", ao contrário de "elucidação", é passivo. A pessoa tem o insight, ao passo que a elucidação se produz — elucida-se x.
Propostas?
"intuição" ocorre mais imediatamente, mas também não serve, porque nem todas as intuições são "insightful"...
O Manel Lourenço propõe "visão cognitiva", mas isto não funciona na maior parte dos contextos. "Elucidação" é bom, mas também não dá para dizer que um dado autor teve uma ideia insightful sobre algo.
Humm.... "percipiências infalíveis"?
Para o termo "insight" em geral, sugiro "intuição intelectiva" ou, simplesmente, "intelecção". Para o caso em questão, talvez "cognições" possa funcionar.
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