E, para dar um passo em frente, não será a prática de fistfucking o modelo daquilo a que Deleuze chamou «expansão de um conceito»? Dá-se um novo uso ao punho; expande-se a noção de penetração na combinação da mão com a penetração sexual, na exploração do interior de um corpo. Não admira que Foucault, o Outro de Deleuze, praticasse fisting: não será o fistfucking a invenção sexual do século XX, o primeiro modelo do erotismo e prazer pós-sexuais? Não é mais genitalizado mas foca-se apenas na penetração da superfície, com a mão, o objecto parcial por excelência, usurpando o papel do falo.Repare-se como este pequeno excerto caracteriza na perfeição o modo de raciocínio da psicofoda pós-moderna (ou pós-qualquer coisa; o appeal vem mesmo é do ser-se pós, suponho): Imagine o leitor que é pós-moderno e quer falar mal de alguma coisa. O que faz? Simples, pergunta: «Não será o x de y realmente o z de m?» Ficou no ar a alusão, o resíduo suficiente para o leitor crédulo se autopsicofoder durante muito tempo. Quer dizer bem de alguma coisa? Simples, afirma: «o x de y é na verdade o z de m». Fantástico, não? Não precisa de argumentar, não precisa de fazer sentido, não precisa de ser coerente. Basta que tudo isto pareça muito irreverente, heterodoxo, bad-boy, «ontologicamente contingente», whatever!
A argumentação? O conteúdo? Pensamento? Ideias? Tudo isso são epifanias burguesas, coisas do passado, do tempo em que o mundo não tinha pensadores vigorosos como estes para o iluminar. Na verdade, é curioso como toda esta escrita, segundo o critério do próprio autor, é ela mesma «deleuziana»: não é verdade que esta mal descobriu um novo uso para o cérebro? Não é verdade que expandiram a noção de pensar de modo a incluir tudo menos o pensamento?
Agora um pequeno passatempo: quem consegue arranjar a melhor tradução para fistfucking? Seria embaraçoso conseguir traduzir mindfucking e não isto.
6 comentários :
hauhauahauaha
Desidério, não dá pra acreditar nisso! Isso tem que ser mentira, não é possível.
: )
Vitor e restantes autores do blog, permitam-me um desabafo.
Sou licenciado em Filosofia pela U. de Coimbra e terminei um curso com uma boa classificação. Durante os quatro anos nunca questionei que a filosofia se regesse pelos princípios que me eram apresentados, de tal modo que posso dizer que joguei o jogo deles e isso valeu-me uma boa classificação. Se me falavam com discursos herméticos e me apresentavam textos ainda mais herméticos, divinas orações a Derrida, Lyotard, Gadamer, Deleuze, etc., eu ainda conseguia ser mais hermético do que eles, coisa que apreciavam e me premiavam.
Hoje estou exausto de tanto hermetismo e de nada saber sobre filosofia. Creio que a filosofia é bem mais interessante e cativante do que citar autores tidos por geniais e passar a vida a usar trocadilhos e outras armadilhas retóricas. Na faculdade, nunca me foram apresentadas alternativas ao modo de fazer filosofia, hoje sei que as há.
A minha questão é esta: será possível que a maioria deste país esteja enganada?
Saudações e continuação de um bom trabalho de despertar das consciências!
Caro Luís
Bem-vindo ao blog e obrigado pelas palavras simpáticas. Não penso que seja de espantar a situação que descreves. Muitos professores não conhecem as bibliografias, porque se limitam a fazer como professores o que lhes fizeram a eles como alunos. Por outro lado, muitas vezes nem dominam a língua inglesa, o que não é vergonhoso: diferentes pessoas têm diferentes limitações e diferentes conhecimentos. O importante é procurarmos dar aos estudantes a melhor formação possível, baseada num bom conhecimento bibliográfico. Não se trata de “cilindrar” seja quem for, mas de dar aos estudantes e ao público em geral a possibilidade de ESCOLHA. Que foi precisamente o que não tiveste no teu curso, nem eu no meu. Hoje eu estaria a fazer a mesma coisa, mas ao contrário, se escondesse dos meus alunos a existência de filósofos como Deleuze ou Derrida, por mais que eu não tenha o mais pequeno interesse neles. O importante é dar aos alunos a possibilidade de escolher o tipo de filosofia que gostam mais de fazer; mas para isso precisam de ser expostos a várias maneiras de fazer filosofia, precisam de conhecer várias bibliografias, e não apenas as bibliografias franco-alemãs com mais de 50 anos.
Caro Luís,
Não sei se o Desidério te respondeu à tua última questão: será que a maioria deste país anda enganada? Creio que a resposta é sim e, então sim, pelas razões apontadas pelo Desidério. Penso ser pacífica a ideia de que a maior parte das academias são conservadoras. A academia portuguesa é por razões sociais e profissionais ainda muito conservadora. Já perdi algum passo em relação ao que se passa nos departamentos de filosofia em portugal já que acabei o meu curso já lá vão uns 12 anos, mas as indicações de alguma abertura são ainda muito ténues e o teu comentário é prova disso mesmo. Defendo a tese de que a filosofia é mais vulnerável a más influências que o conjunto das ciências, mas admito uma objecção: a de que a filosofia não mais vulnerável coisa alguma, mas que quando se ignora no grosso um saber, é como se ele não existisse e responde-se-lhe com arrogância. Mas a tarefa de divulgar a filosofia e o que acontece nela nos últimos 50 anos parece-me essencial. Aliás essa é a razão pela qual dou a cara, dado que não tenho trabalho produzido ao nível do Desidério, por exemplo :-)
abraço e bem vindo.
Eu proponho que "fistfucking" seja traduzido por "punhoda", que é uma mistura do gene do punho com o gene da foda.
Para a tradução de "fistfucking", as hipóteses mais óbvias seriam "punhofoda" ou então "foda-com-o-punho". Mas "fodacupunho" parece-me de longe a mais interessante, por razões também óbvias!!!
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