Gosto dos desafios que estimulem o leitor. Já li várias vezes um exemplo apresentado também na recente edição de Cosmopolitismo de Kwame Anthony Appiah, um filósofo que tenho vindo a gostar. Faço aqui uma pequena adaptação do exemplo, deixando as considerações dos leitores para a caixa de comentários. Ao passar junto de um rio vejo uma criança a afogar-se. Devo atirar-me à água e tirá-la de lá. Ficar com a roupa enlameada é insignificante comparando a vida em risco de uma criança. Mas quando recebo na caixa de correio um envelope para doar 100€ para à UNICEF que pode salvar 10 crianças, deito o envelope no lixo. Será este gesto imoral?
16 de outubro de 2008 ⋅ Blog
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13 comentários :
Penso que o Nozick tinha um exemplo semelhante (posso estar enganado). No fundo, é indirectamente imoral, mas não directamente. No primeiro caso, trata-se de uma acção directa; no segundo de uma acção indirecta. Não sei que diferença isto faz, mas intuitivamente parece-me que não agir no primeiro caso é mais grave do que não agir no segundo. Psicologicamente, estamos mais tentados a proteger e a agir sobre aquilo a que temos acesso directo ou com o qual temos contacto do que com aquilo que nos está distante.
Um exemplo para melhor explicar aquilo que quero dizer com isto: será imoral, no caso clássico do trólei, que aqui adapto, eu preferir salvar o meu filho a 2,3 ou 5 crianças da mesma idade mas que me são desconhecidas?
Não consigo decidir se a acção de não enviar o dinheiro à UNICEF é imoral ou não. Aparentemente é mas se pensarmos um pouco mais sobre a situação ficamos com dúvidas sobre a imoralidade do acto em questão. As situações enunciadas são diferentes e o tipo de acção levada a cabo também. Seria imoral não salvar uma criança em perigo? Sim. Seria imoral não enviar dinheiro para uma instituição que alega que aquela quantia irá salvar a vida a um determinado número de crianças? Não sei. As decisões são diferentes porque implicam situações diferentes. No primeiro caso eu sei, ou julgo saber, o resultado da minha acção (a criança é salva), no segundo caso, a acção é absolutamente solta, isto é, não sei o que de facto acontecerá se eu der os 100€ (Estão de facto crianças dependentes desse dinheiro? Mesmo sendo esse dinheiro aplicado salvará ele alguma criança? Etc.).
Carla
Caros,
Do ponto de vista do cosmopolitismo trata-se de uma acção imoral e é precisamente isso que o problema pretende mostrar.
Não conheço o cosmopolitismo por isso não sei o que sustenta esta posição, mas não me parece nada óbvio que este acto seja imoral. Porque é que o facto de eu não entregar dinheiro a uma qualquer instituição que o solicite é um acto imoral? Quais são as razões apresentadas?
Carla
O cosmopolitismo de Appiah é fruto da idéia helênica do cidadão do mundo. Para ele, todos são responsáveis por todos no globo.
Joedson,
Agradeço o esclarecimento.
Carla
Olá Carla,
a premissa do cosmopolitismo é a de que temos uma obrigação moral cosmopolita, isto é, que devo considerar nos interesses morais o habitante do outro lado do planeta como meu vizinho. E isto é igualmente válido para os outros seres e o ecosistema. Peter Singer tem também uma versão do cosmpolitismo muito interessante em Um só mundo (Gradiva). Confesso que esta tese do cosmopolitismo sempre me pareceu idiota até ler o livro do Singer. Hoje em dia há muitos filósofos a defender a tese do cosmopolitismo. Ela é difícil de defender, mas é muito apelativa e se queremos um mundo melhor é provavelmente a melhor saída.
Olá Rolando,
Agradeço o esclarecimento. Confesso que, embora saiba quase nada sobre o cosmopolitismo, a tese não me seduz. Eu sou responsável pelos meus actos mas não posso basear as minhas acções a levar em conta o resto do mundo. Não estou com isto a querer dizer que não se deva ter em conta as consequências dos nosso actos na vida dos outros, mas não de todos os outros. Não sei se me estou a fazer entender, mas foi essa a razão que me levou a escrever que não sabia se era imoral ou não não entregar o dinheiro à instituição. Mas, como disse, não conheço o que sustenta esta tese e por isso não posso pô-la de parte.
Carla
Pelo que me é dado a ver, o cosmopolitismo vai beber muito ao imperativo categórico kantiano. E parece estar sujeito às mesmas objecções.
Parece-me, por exemplo, que o cosmopolitismo - tal como o imperativo categórico kantiano - possui um âmbito demasiado elevado. Se, por cada acção que eu praticar ou quiser praticar, levar em linha de conta TODOS aqueles que são tocados, directa ou indirectamente, pela minha acção, tornar-se-á muito difícil para mim agir. Isto não significa que certas acções não sejam universalizáveis; duvido é que todas o sejam. E o cosmopolitismo parece defender esta última hipótese.
O caso da doação dos 100€ parece corresponder ao seguinte argumento: x está moralmente obrigado a agir sempre em benefício dos outros; se x doar 100€ à Unicef, x estará a agir em benefício de outros. Logo, x está moralmente obrigado a doar 100€ à Unicef.
Percebo que se possa sustentar isto, como é o caso do cosmopolitismo, mas pelo menos a premissa inicial é contestável. Se eu agir sempre em benefício dos outros, perdoe-se-me o egoísmo, onde fico eu? Se os 100€ me fazem falta para pagar o crédito à habitação, que razões tenho eu, por mais que possa lamentar tal, para os doar à Unicef? Até que ponto estarei realmente a ser imoral?
Carla,
Um dos debates muito interessantes em ética e filosofia moral é o do egoísmo psicológico. O elementos de filosofia moral do James Rachels (Gradiva) é um livro muito poderoso para conhecermos um pouco mais a fil moral. O que levamos em consideração é o interesse dos outros, o interesse dos outros em não sofrer, em não passar fome, etc.. Mas o problema está claramente em aberto.
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