Nós, no PÚBLICO, sobretudo não compreendemos para que serve [o acordo ortográfico] e, incapazes de entender a necessidade e as vantagens de uma norma global para o português, decidimos não o adoptar. Vamos continuar a escrever a nossa língua como a escrevemos hoje. [...] O Governo e os seus aliados da CPLP acreditam que o Acordo é fundamental para afirmar o português no mundo, aproximar os povos e reforçar a união entre os oito países lusófonos. Numa frase, os seus defensores — que incluem respeitados linguistas — argumentam que estamos a falar de um acordo instrumental e estratégico para o futuro. Se todos estes argumentos são utópicos, há um que se destaca como particularmente incompreensível: o de que o português, sem o acordo, terá não duas ortografias oficiais mas oito e que tal “não pode acontecer numa língua que pretende ser universal”. Ora o inglês — essa, sim, uma língua universal por excelência e a do nosso tempo — é a língua oficial de mais de 50 países e não consta que haja um acordo planetário com regras a aplicar por essa enorme variedade de culturas, tons, pronúncias e grafias. Excluindo a polémica sobre a “tradição” do português e o papel das consoantes mudas e as suas variações nos oito países da CPLP, há ainda uma última e fatal fragilidade neste acordo – as regras definidas são facultativas. Para que serve então um acordo global se, afinal, é indiferente escrevermos António ou Antônio?
Boas notícias, para quem considera que a nova ortografia é uma vergonha política e linguística. Eis um resumo dos meus argumentos contra a nova ortografia:
1) Não se deve legislar sobre a ortografia, tal como não se legisla sobre a gramática. É totalmente inútil legislar sobre a ortografia. Nada se melhora fazendo tal coisa. Não há legislação sobre a gramática nem sobre a fonética e não há qualquer anarquia gramatical nem fonética.
2) A nova ortografia não unifica a língua portuguesa. Ao passo que antes tínhamos duas ortografias tradicionais, uma brasileira e a outra portuguesa, agora passa-se a ter várias ortografias dentro de um só país, pois a nova ortografia é na prática uma regra que diz que, com poucas excepções, cada qual escreve como lhe der na gana. Portanto, a nova ortografia não unifica; desunifica. (Leia-se este artigo.)
3) Todas as reformas ortográficas feitas por via legislativa dificultam o acesso à cultura, sobretudo das famílias mais carenciadas dos países mais carenciados, pois nos livros das bibliotecas de que dependem passam a ler uma ortografia errada.
4) Todas as reformas ortográficas que não surjam naturalmente pela escolha das pessoas que escrevem a língua é uma forma artificiosa de afastar as pessoas das bibliotecas e da história da sua língua, pois torna-lhes cada vez mais difícil ler livros com mais de um par de décadas. Nos países lusófonos, ao contrário do que ocorre noutros países, nenhuma pessoa com um grau médio de instrução escolar é capaz de ler um livro com oitenta ou noventa anos, porque a ortografia recebeu tantas mudanças que é como se todo esse legado bibliográfico estivesse na prática escrito em língua estrangeira.