
Ana - É verdade que eu compreendo o que quer dizer quando me fala de Deus, professor.
Professor - Tens, portanto, a ideia de Deus.
Ana - Certo, professor, mas acredito que não passa mesmo disso, de uma ideia.
Professor - Mas concordas, então, que a ideia que o ateu e o teísta têm de Deus é a mesma.
Ana - Não é bem assim, professor: quer-me parecer que as minhas ideias ocorrem na minha mente e as dos outros ocorrem nas mentes dos outros. Portanto, não se trata da mesma ideia.
Professor - Estou a ver, Ana. Ok, vou então reformular o que queria dizer: quando pensas em Deus, pensas num ser com as mesmas características ou atributos que o crente lhe atribui quando pensa nele. Certo?
Ana - Sim, e daí? Eu, que sou ateia, acredito que um ser com tais atributos não existe realmente e o teísta acredita que sim.
Professor - Bom, é melhor esclarecer quais são esses atributos, que tanto ateus como teístas associam à ideia de Deus.
Ana - Sim, é um ser no qual não se imagina qualquer defeito ou falha: é sumamente bom, sabe tudo, pode tudo, ...
Professor - ... numa palavra, Ana, é um ser perfeito. Certo?
Ana - Certo. Mas não acredito que tal ser exista a não ser na nossa imaginação.
Professor - Mas assim parece-me que estás a cair em contradição sem te aperceberes disso.
Ana - Explique lá isso, por favor.
Professor - Se defines Deus como um ser perfeito e ao mesmo tempo dizes que não existe, então estás implicitamente a dizer que ele não é perfeito.
Ana - Hã...?
Professor - Um ser perfeito que não existe não é realmente perfeito, pois falta-lhe alguma coisa para o ser. Ora, por definição, a um ser perfeito nada pode faltar. Assim, dizer que tens a ideia de um ser perfeito que não existe é o mesmo que dizeres que tens a ideia de um ser perfeito que não é perfeito.
Ana - Deixe-me pensar melhor...
Professor - ... pensa, Ana! É como pensar num solteiro casado. Isso não faz sentido.
Ana - Pois, mas...
Professor - ... mas daí conclui-se que não estás realmente a pensar num ser perfeito. Nesse caso, também não estás realmente a falar de Deus.
Ana - Bom, há aí qualquer coisa que não bate certo, professor.
Professor - Repara: se não existe, não é perfeito; e se não é perfeito, não é Deus.
Ana - Ah, já estou a ver a marosca, professor.
Professor - Marosca?
Ana - Sim. O professor está a dizer que Deus se define como um ser perfeito, ou seja, como um ser que tem os seguintes atributos: é sumamente bom, sabe tudo, pode tudo, ... e existe.
Professor - Ora, aí tens!
Ana - O argumento do professor para provar a existência de Deus resume-se, então, ao seguinte: Deus é, por definição, um ser sumamente bom, que sabe tudo, que pode tudo, etc., e que ... existe. Logo, Deus existe.
Professor - Hã...?
Ana - O professor ensinou-nos que isso era uma falácia. Como era mesmo o nome? Ah, já sei: petição de princípio!
Professor - É uma petição de princípio?
Ana - Sim, ou estou a ver mal as coisas? Talvez seja melhor mesmo perguntar àqueles que estão agora a ler a transcrição da nossa conversa. Digam lá o que acham, caros leitores.