Muito se tem falado ultimamente em Portugal sobre liberdade de expressão. A baixa política tem-se encarregado de tornar a discussão desinteressante: uns dizem que há liberdade de expressão em Portugal e outros que não, consoante a filiação partidária. Parece que é tudo uma questão de haver ou não haver liberdade de expressão. Mas vale a pena pensar se essa (há ou não há?) é uma forma correcta de colocar a questão da liberdade de expressão, pois, se houver graus de liberdade de expressão, a discussão muda de figura.
O que acha o leitor?
7 comentários :
Não me parece que seja uma questão de graus. Claro que posso afirmar de dois países diferentes que num é mais fácil exprimir certas opiniões do que noutros, mas em última análise trata-se de saber se há ou não liberdade de expressão ponto. E haver liberdade de expressão é eu poder dizer descansado, por texto, música, pintura, escultura ou por qualquer meio imaginável, o que bem me apeteça, por mais que desagrade a este ou àquele. Isso é liberdade de expressão.
Se vamos pelos graus, em todas as ditaduras há um certo grau de liberdade de expressão. Na história da URSS por exemplo a dificuldade de exprimir certas opiniões nunca foi a mesma do princípio ao fim, mas no limite temos de dizer que não havia liberdade de expressão, ponto. Enquanto houver "coisas sagradas" das quais não tenho o direito de falar de certo modo... não há liberdade de expressão. Acho que ao falar em graus estamos a confundir duas coisas, a facilidade ou dificuldade de meter a liberdade de expressão na cabeça das pessoas, com gestos mais ou menos ousados, que é uma coisa, e a presença ou ausença de censura, mais ou menos cerrada, que é outra coisa. Mas enquanto há censura não há liberdade de expressão. Claro que as pessoas podem expressar-se livremente num regime de censura (hardcore ou softcore) mas isso é outra coisa. Liberdade de expressão é um termo ambíguo, portanto. Tanto refere uma propriedade das minhas acções, que me exprimo estando-me nas tintas para quem me quer cortar a palavra, suportando os custos de tal atitude, como pode referir o reconhecimento social e político de as pessoas poderem dizer o que querem.
Os partidos avacalham a discussão. Para cada um, "liberdade de expressão" é ouvirem falar no que gostam e poderem reprimir aquilo que lhes desagrada, mas sem haver publicidade a esse acto. Nem conseguem ver que se comportam exactamente como o "inimigo" nesta matéria. O que nenhum compreende é que não é o conteúdo da "cassete" que importa, mas o facto de haver cassetes, seja a marxista, a socialista, ou a dos que usam aqueles penteados inconfundíveis.
De acordo com o Vitor. Graus de liberdade de expressão é a forma bonita e publicitária de se dizer graus de censura. Liberdade de expressão está menos no fato de poder expressar o que bem entender e mais no fato de não ser perseguido por isso (o que não quer dizer que o conteúdo não possa ser contestado, mas contestar, discutir o que foi expresso, são o extremo oposto de fazer calar).
Não sei qual a discussão em Portugal, mas no Brasil têm sido recorrentes os casos em que pessoas são processadas na tentativa de cercear seu direito de expressar-se antes mesmo de questionar se o valor do que está sendo expresso é verdadeiro ou falso. Joga-se tudo no mesmo pacote, tentando impedir que alguém possa falar com a justificativa de que diz algo falso. Ao menos os magistrados, ao menos nos casos que acompanhei, não se deixaram prender na armadilha da censura.
Mas talvez um ponto interessante a ressaltar é o de que, mesmo que a liberdade de expressão seja plena em direito, dificilmente é de fato igual para todos. Neste caso podemos dizer que há graus de capacidade de expressão que vão impedir o exercício da plena liberdade de expressão. Alguém que não domine um determinado jargão não será capaz de se fazer ouvir por quem faz deste jargão sua forma de expressão. É uma censura por corporativismo, infelizmente bastante comum.
A liberdade de expressão é uma figura de retórica pela sua própria natureza. Serve como ideal mas não tem aplicação prática absoluta em lugar algum. A nossa expressão é permanentemente coarctada quer pela sociedade imediata em que vivemos (eu não digo isto ou aquilo porque parece mal ou digo porque parece bem) e seus valores socioculturais, quer pela própria legislação. E das duas uma: ou vivemos numa sociedade que aceita a censura seja por que meio for (ainda que pouco óbvio), ou vivemos numa sociedade que conhece os seus limites e pode ter consciência das suas liberdades e potencialidades.
Continuar a referir a liberdade de expressão como uma realidade única e independente das liberdades "gerais", é o mesmo que condenar essa mesma liberdade à morte. Para se defender esta, ou qualquer outra, é fundamental conhecer os limites dessa mesma liberdade.
Aliás, o simples facto de se fazer a pergunta é, por si só, tomada de posição: liberdade é um valor maior que, se for de uma coisa, é-o de todas. Não será tabu fugir à controvérsia? Ou será apenas politicamente correcto defender intransigentemente a liberdade de expressão sem regras? Sim, regras, que acho mais adequado do que graus. A graduação implica estratificação e compartimentação, implicando a implosão conceptual da liberdade.
Classificar e regrar as liberdades é uma das poucas coisas que faltam ao ser humano para atingir o próximo degrau da evolução. Em última análise, a compreensão dos limites da liberdade é aquilo que nos separa dos animais menos (?) racionais.
Uma liberdade não definida é impossível de controlar e portanto, de defender ou de garantir que chega efectivamente a todos com o mínimo de dúvida.
A não regularização da liberdade é o garante do status quo em que há sempre quem tenha em seu poder a forma de manipular opiniões e provocar situações como as que estão neste momento nas bocas do mundo, seja em relação a Portugal, seja a outros países.
A dimensão político-cultural de factos históricos de importância exacerbada como o 11/9, veio trazer à baila a questão da regularização das liberdades, que não é nova mas que adquire agora uma renovada dinâmica.
Sob pena de me desenganar durante o movimento pendular da cognoscência e ter que me retratar num qualquer futuro, é minha opinião que toda a liberdade (aliás como todas as intangências de valor reconhecido) devem ser reguladas de forma a garantir a maior transparência e justiça possíveis na sua aplicação. A liberdade de expressão não é, nem pode ser, diferente das outras, sob pena de se perder o rasto ao significado da palavra.
Por fim (que nunca é), resta dizer que a única coisa que não pode ser regulável na liberdade é a sua discussão para que se garanta o mais possível a sua integridade e se possam compreender os seus limites.
Estas meras linhas de opinião nem sequer riscam de leve o assunto que teria que ser aprofundado até à discussão da relação entre a consciência e a liberdade. E se aceitamos regras de consciência, o que nos impede de aceitar regras de liberdade? Tabus! Apenas e só tabus!
P.S. Usei a palavra "regularização" em vez de "regulação" por lapso mas não deixa de ser interessante que "tornar regular" não seria descabido no texto se a discusão se alargasse à aplicação generalizada do direito à liberdade em determinado espaço social, político ou geográfico.
Infelizmente, em função de uma série de tarefas, fiz uma leitura demasiado ligeira e superficial do que o Leonel escreveu. Não me ficou muito claro que instância seria responsável por regular a "liberdade de expressão". Deixo, por ora, em suspenso qualquer juízo sobre suas palavras.
Eu pensarei mais sobre a questão, no entanto, creio que, tal como o expresso por Aires Almeida, a discussão mude de figura ao considerar-se os diversos graus de liberdade de expressão. Ao menos, presta-se mais à investigação da realidade que suscita essa discussão.
Por fim, penso que, quando se argumentar de maneira sólida, sem ter por alvo a intimidade de ninguém, não há que se ter qualquer limitação. A argumentos se opõe argumentos, argumentos são limitados por argumentos.
Ainda que a vida não se apresente como o "ministério da razão" e existam sanções a muito do que é destoante, deve-se confiar na prudência, na coragem e no siso daqueles que se expressam publicamente. E se há quem se utilize de falácias, faz-se muito necessário que outrem tenha liberdade de expressão para apontá-lo.
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