Há uma metáfora morta sistematicamente usada que denuncia aspectos infantis da humanidade. Refiro-me às palavras “superior” e “inferior” e outras semelhantes. Do que estas palavras realmente falam é de hierarquias sociais; mas depois são usadas para querer aparentemente dizer outra coisa. Fala-se então de ensino superior e capacidades superiores; e diz-se que uma ideia ou filosofia ou prática ou disciplina é superior a outra.
Esta terminologia esconde a obsessão simiesca dos seres humanos com as hierarquias sociais; e ao colocar num só par de palavras conceitos tão diversos como “sofisticação”, “beleza”, “valor”, “dificuldade”, ou a sua ausência, oculta numa sombra viscosa o que realmente faz algo ser melhor ou pior do que outra coisa.
O futebol é superior à filosofia? Em termos sociais, num certo sentido, sim: ganha-se muito mais dinheiro, caso se seja bem-sucedido, tem-se mais namoradas, e é-se infinitamente mais popular. Se é isso que uma pessoa valoriza, é superior. Se o que alguém valoriza é dizer palavras difíceis, por exemplo, ou estar associado a classes sociais elevadas, ainda que sem muito dinheiro, então a filosofia é superior.
Já se vê o muito que a conversa do superior oculta. Falar directamente de sofisticação intelectual ou física, por exemplo, é uma forma bem mais precisa de comparar actividades; e neste caso, o futebol perde numa e ganha na outra, assim como a filosofia. Tudo isto devolve à realidade a sua verdadeira textura. Que nunca é o simplismo simiesco do superior e do inferior sem mais. Simplismo que foi concebido para outros fins, menos elevados, do que a compreensão correcta da natureza das coisas.
28 de março de 2010 ⋅ Blog
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1 comentário :
Boa questão. Mas não concordo que estejam somente ligadas às questões sociais. Se percebemos, elas assumem uma relatividade se postas em comparação a mecanismos sociais, mas quando postas na "coisa em si", na disciplina em si filosofia, na arte etc. passam a ser reais, pois há arte superior e inferior, filosofia superior e inferior etc. No fundo, relativizamos ou não as palavras; elas devem ser usadas em comparação para a própria natureza das coisas, aí sim acredito que seu uso seja bastante eficiente, e verdadeiro.
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