Ernest Gellner (1925-1995) publicou originalmente em 1959 uma crítica polémica à chamada filosofia linguística, uma corrente da filosofia analítica que muitas pessoas confundem com a totalidade da filosofia analítica. Entre os praticantes da filosofia linguística encontravam-se Austin, Ryle, o Wittgenstein tardio e Strawson. Contra este modo de fazer filosofia analítica estava o próprio Bertrand Russell, que escreveu um memorável prefácio à obra de Gellner.
Li esse prefácio quando era aluno de graduação. Não teve grande influência em mim porque já nessa altura procurava a filosofia e desprezava quem despreza a filosofia e procura substituí-la por outra coisa qualquer (sociologia, história da filosofia, história das ideias, psicologia, crítica literária, crítica social ou existencial, lógica, linguística, etc.). Parecia-me ridículo que num curso de filosofia filosofia fosse aquilo de que menos se falava, aproveitando cada qual para substituir a filosofia por outra coisa qualquer. Hoje vejo que esta moda está ainda presente. De modo que traduzi aqui o prefácio de Russell à obra de Gellner, pois poderá ser iluminante para muitos leitores.
A parte para mim mais memorável, além da metáfora final do relógio, é a citação do próprio Gellner: um padre sem vocação abandona o sacerdócio, mas a malta da filosofia que querem fugir dela limitam-se a redefinir a disciplina, e continuam nos departamentos a dizer que fazem filosofia, quando na realidade abominam a filosofia propriamente dita e fogem dela a sete pés, substituindo-a por lógica ou linguagem ou crítica literária ou história ou qualquer outra coisa — menos o raciocínio intenso sobre problemas conceptuais abstractos que ninguém sabe resolver.
23 de março de 2010 ⋅ Blog
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3 comentários :
Eu me deparo com ambas as coisas o tempo todo: a primeira, profs. - e alunos, por influência dos primeiros como pela força dos seus próprios preconceitos - a restringir a fil. analítica à lógica ou à fil. da linguagem e, a segunda, profs. que queriam ser historiadores, cientistas políticos, sociólogos, poetas, pregadores (a favor ou contra deus) ou simplesmente 'bon vivants' a tratar a filosofia como qualquer destas coisas, menos como filosofia.
Por que continuam a ganhar dinheiro, a dar aulas, a escrever artigos e tudo o mais sobre algo que dizem que não faz o que pretende fazer e não é o que diz ser e não vão logo ter com o que acham mais apropriado ou produtivo é intrigante. Como a relutância dos alunos de ver esses tais como são: falsários puros e simples.
Não é à toa que, ao último ano do curso, estou me desligando dele. Não vale. É preferível estudar por conta e, eu que tenho outra graduação, ir direto para a pós.
---
No primeiro ano, um prof. para quem toda a fil. não se presta senão para preparar as consciências revolucionárias, discorria em sala sobre os analíticos só falarem de lógica e linguagem num dado sentido que já não me lembro. "Como quem, prof.?", perguntei. "Como Wittgenstein", ele respondeu. Eu: "Ok, isso há mais 60 anos, ele próprio mudou de ideias e foi posteriormente refutado nisso, pelos próprios analíticos. Pode citar outro?" E o prof.: "Bom, pode ter sido com os analíticos que eu li..." Insisti: "Tem um exemplo?" Resposta: "Não me lembro agora."
(Desnecessário dizer que até hoje, dois anos depois, ele ainda não se lembra...)
Em Portugal temos um ditado: esquece muito a quem não sabe.
O novo link: http://criticanarede.com/wordsthings.html
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