Acabo de publicar uma recensão de Pedro Pereira Romano do livro Facing Up, de Steven Weinberg.
Vale a pena fazer um comentário à parte final da recensão, na qual o Pedro refere a posição algo crítica de Weinberg perante a filosofia. Isto é algo que já li noutro livro do autor. Em pratos limpos, a crítica parece tola, porque é algo como "não tem aplicação prática, logo não interessa". Um pouco como dizer que tal como a biologia é inútil porque seria largamente irrelevante para um pastor, assim também a filosofia seria inútil porque é largamente irrelevante para um cientista.
Há um sentido em que Weinberg tem razão, e outro em que não o tem.
O sentido em que não tem razão é óbvio: a filosofia, tal como outras áreas da investigação, não são importantes por causa do seu carácter prático ou por permitir fazer melhor ciência ou pontes ou curar doenças, mas apenas porque são as nossas melhores tentativas para enfrentar problemas que nos interessam. E não interessa se não conseguimos resolvê-los realmente, porque seria tolo parar de tentar -- pois aí é que não conseguiríamos mesmo resolvê-los.
Mas há um sentido em que tem razão: é uma crítica à ideia de que primeiro devemos fazer uma reflexão aturada sobre os nossos métodos para, depois de os estabelecer, os aplicar para fazer a investigação propriamente dita. Isto é uma tolice porque só descobrimos os métodos à medida que investigamos as coisas; e muitas vezes nem sequer compreendemos bem os métodos que usamos e que têm funcionado adequadamente. Neste sentido é uma palermice declarar que antes de alguém investigar algo sobre átomos ou o Big Bang ou a tuberculose ou as vacas, tem de vir o filósofo, na sua tarefa de metodólogo, estabelecer primeiro os métodos.
E isto é tão tolo na ciência quanto na filosofia: os novos e opostos métodos filosóficos propostos respectivamente por Descartes e Hume teriam hoje caído no esquecimento não fosse o trabalho real de investigação filosófica levada a cabo por eles; as suas investigações são interessantes independentemente de aceitarmos -- ou sequer de compreendermos bem -- as posições metodológicas por eles defendidas.
Em suma, no que respeita à metodologia, a prova do pudim está em comê-lo -- pela simples razão de que se uma investigação sobre X é difícil, mais difícil ainda é estabelecer previamente os métodos dessa investigação. A ilusão é pensar que estabelecer métodos sobre a investigação de X é algo que podemos fazer independentemente da investigação de X propriamente dita.
2 de março de 2010 ⋅ Blog
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1 comentário :
O link da recensão é agora este: http://criticanarede.com/facingup.html
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