17 de maio de 2010 ⋅ Blog
Fugir da filosofia
Desidério Murcho
Já falei noutro apontamento da curiosa fuga constante da filosofia para outras coisas (literatura, lógica, psicologia, história, etc.); esta atitude poderá resultar de ao entrar na universidade se descobrir com espanto que o conceito popular de filosofia (algo parecido com auto-ajuda, mas com citações de verdades arcanas) ser afinal falso: não é isso que encontramos nos textos de Platão ou Aristóteles, Ockham ou Descartes, Hume ou Kant, Russell ou Frege. Num texto antigo e muito retórico, "O Fariseu", falei ironicamente dos profissionais da filosofia que não têm o mínimo interesse pela sua própria disciplina. E o que pensa o leitor?
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4 comentários :
Eu não teria como falar com precisão agora, mas também não haveria o problema inverso de uma extrapolação indevida do discurso filosófico sobre problemas científicos ou de outra natureza? Penso que cada discurso tem seus limites, seu intervalo em que é capaz de asserir algo com propriedade. Não digo sobre a filosofia, mas me parece que, de maneira geral, na academia, as pessoas se encastelam em suas disciplinas e gostariam de "reduzir todas as explicações possíveis sobre o mundo" a suas áreas. Como diz o ditado, cada macaco no seu galho. Gostaria que falasses sobre isso, Desidério, expondo como a filosofia pode se valer dos resultados fornecidos pela ciência - em especial, pelas ciências humanas, por favor - e em como esta pode se valer da especulação filosófica. Ademais, ressaltar alguma outra intromissão ou evasão indevida e perniciosa existente e, por ventura, não abordada ou ressaltada por ti.
Um grande abraço,
Devemos adaptar os métodos de estudo à natureza do objecto. Não faz sentido tentar ouvir um quadro, literalmente falando, nem ver uma sonata. Mas para lá destes casos óbvios, parece-me uma ilusão pensar que antes de tentar estudar algo já sabemos qual é a maneira apropriada de o estudar. Pelo contrário, parece-me que descobrimos isso à medida que estudamos. É isso que vemos na história da ciência, por exemplo, ou na história da arqueologia: aprendemos ao tentar e inventamos os melhores métodos de que somos capazes nessa tentativa.
O que poderá fazer alguém querer estar na posse de todas as explicações últimas da realidade não é com certeza curiosidade e vontade de saber, mas antes a vaidade de parecer tudo dominar. Dificilmente podemos aceitar como sensata a ideia de que toda a realidade pode ser estudada ou resumida numa só área disciplinar.
Desidério,
Acho que tocaste num ponto muito importante. A vaidade de tudo dominar, algo muito diferente da curiosidade e da vontade de fazer. Junto a isso, penso que também acontece a negação de certos problemas, seu contorno sem uma resposta satisfatória. De fato, é o que acontece quando alguém deixa a filosofia e parte para uma outra explicação: deixou o problema de lado. Estudo ciências sociais e vejo na filosofia um papel fundamental na organização de nosso pensamento e na de um debate em qualquer área; além de tantos outros que o fazer filosófico tenha; v.g., o de que crença alguma seja aceita sem exame crítico prévio. Comecei a estudar Teoria da Escolha Social e é um tanto engraçado ver como alguns economistas têm uma visão demasiado pobre do homem, postulando-o um ser de "razão pura" e conferindo caráter ontológico àquilo que metodologicamente pode ser de grande valor sob certas condições muito bem delimitadas. Penso que o saber filosófico direcione-nos a uma consideração universal do mundo, sem os "ranços" particularistas que se desenvolvem em muitas ciências. Isso não se encontra muito, de maneira tão pronunciada e sistematizada, fora da filosofia.
Um grande abraço,
e desde já agradeço pela atenção e pela paciência em responder-me: acredito que é no diálogo que se formam bons pensadores e logo pretendo estar em um patamar mais alto de modo a melhor contribuir com este blog.
O novo link do artigo: http://criticanarede.com/ed32.html
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