
30 de maio de 2011 ⋅ Blog
A filosofia como um esporte sangrento
Matheus Silva

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3 comentários :
A competição pode ser construtiva e cooperativa, ou destrutiva. No segundo caso, é estéril, pois o único objectivo é ganhar (seja o que for: uma medalha, uma bolsa), independentemente de o trabalho realizado ser um genuíno valor acrescentado ao mundo. É como o aluno que só quer ser o melhor da turma, em vez de querer ser bom: ser o melhor da turma é irrelevante, pois numa turma muito má, basta ser ter um olho em terra de cegos para ser bom, mas nesse caso o trabalho desenvolvido não tem ainda intrinsecamente qualquer valor relevante. Evidentemente, isto é submeter o valor da sua proficiência como aluno e do trabalho por ele desenvolvido a aspectos inteiramente irrelevantes: os aspectos sociais de ser elogiado pelos outros, de estar acima deles, etc. Isto é uma distorção patética e infantil das coisas.
Transportando isto para o mundo académico, temos a mesmíssima diferença: tanto podemos estar interessados na qualidade genuína, ainda que modesta, do nosso trabalho, como podemos estar interessados apenas em ter um olho em terra de cegos. A segunda opção conduz à competição agressiva e destrutiva. A competição cooperativa nasce da ideia de que não basta procurar dar o nosso melhor em solidão, pois outras cabeças vêm sempre aspectos que nos escapam: precisamos das suas críticas e sugestões para melhorar o nosso trabalho. Mas isto é cooperar: as críticas dos outros não visam destruir, mas antes tornar mais sofisticado o nosso trabalho, acrescentando-lhe valor. O curioso é que quando se assume esta postura, tanto faz se as críticas que nos fazem visam destruir-nos ou ajudar-nos: nós olhamos para elas com a mesma bonomia, perguntando-nos seriamente: “O que consigo tirar daqui que me ajude a fazer melhor?”
Outro aspecto interessante dessa questão é que algumas pessoas ficam até com o rosto vermelho só de ouvir a sugestão de que a competição e a comparação de desempenho entre as pessoas são necessárias para a avaliação dos méritos filosóficos. É claro que em um mundo no qual tivéssemos a capacidade mágica de determinar a competência de uma pessoa sem que ela publique nada de relevante seria mais prático, mas me parece que há algo de profundamente errado mesmo nesse mundo: pessoas dotadas de talento que se envolvem nesses contextos acadêmicos naturalmente vão considerar a comparação e competição entre pares como algo saudável. Afinal de contas, a competição é fundamental para manter o empenho dos filósofos e evitar o comodismo. Portanto não é desejável evitar a competição na filosofia.
Além disso, eu não consigo imaginar um mundo possível em que a filosofia não envolvesse qualquer tipo de comparação entre o mérito dos filósofos: por exemplo, se eu e Zizek fossemos os únicos filósofos que já existiram, eu seria o melhor filósofo do mundo, mas se Kripke fosse o único filósofo que existiu, sua filosofia não seria brilhante nem ruim. Isso é ridículo. Portanto não é possível fazer filosofia de maneira séria se não criarmos parâmetros mínimos de comparação.
Isto por vezes é mais fácil de afirmar que de praticar, mas o melhor a fazer perante qualquer crítica - bem ou mal intencionada - é mesmo a de ver o que podemos dali tirar para melhorar o nosso trabalho. Se uma crítica mal intencionada pode ser útil independentemente daquilo que a faz ser mal intencionada, então ignoramos este último elemento e tratamos o primeiro. Se a crítica é vazia, pura agressão sem mais conteúdo, ignoramo-la e ao seu autor.
Houve um tempo em que tinha alguma paciência para despiques, mas quanto mais tempo dedico à filosofia menos paciência tenho para essas coisas. Perde-se tempo e faz-se figuras tristes, de miúdos a tentar ver quem tem mais graça ou quem é mais esperto.
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