Realizou-se nesta sexta-feira o
teste intermédio de Filosofia - 11º ano. Deixo aqui a minha opinião, que apresento em duas partes separadas, por uma questão de comodidade de leitura. Nesta primeira parte irei referir apenas questões gerais sobre a própria concepção do teste. Deixo a segunda para as questões de carácter científico.
Em primeiro lugar, o teste surpreende pela quase ausência da filosofia propriamente dita, pois praticamente não se pede aos alunos que argumentem ou pensem criticamente sobre questões filosóficas. Basta ver como começam as perguntas: «Indique as três provas...», «Diferencie os dois usos...», «Nomeie...», «Esclareça o sentido da frase...», «Explicite, a partir do exemplo do texto...», «Compare as posições de Hume e Descartes...». Onde estão aqui as competências críticas, argumentativas e problematizadoras, que nas orientações para o teste se diz serem objecto de avaliação?
Esta dispensa de competências filosóficas fundamentais viola, de resto, as próprias
orientações oficiais, as quais incluem um elenco das competências a avaliar, distribuindo-as por 4 categorias diferentes, que são as seguintes:
PROBLEMATIZAÇÃO:
- Identificar problemas filosóficos (zero perguntas no teste sobre esta competência);
- Formular problemas filosóficos (zero perguntas)
- Relacionar problemas filosóficos: entre si e com outros problemas (zero perguntas)
- Justificar a relevância de um problema (zero perguntas)
CONCEPTUALIZAÇÃO:
- Identificar conceitos filosóficos (três perguntas: a 1.1 e, com algumas reservas, as 2.1 e 2.2, todas do grupo I)
- Clarificar o significado dos conceitos recorrendo, por exemplo, à sua definição, classificação, explicitação, contextualização (uma pergunta: a 1, do grupo III)
- Relacionar conceitos, por exemplo, por oposição, por interdependência, por hierarquização (1 pergunta, mas apenas em parte: mais uma vez a 1, do grupo III).
- Aplicar conceitos, por exemplo, na formulação de problemas, na análise, na reconstituição, na produção de teses e argumentos (1 pergunta: a 2.2, do grupo III consiste na aplicação de conceitos na reconstituição de teses)
ARGUMENTAÇÃO:
- Identificar teses e teorias que sejam respostas a problemas filosóficos (zero perguntas)
- Reconhecer o alcance e os limites das teses e teorias (zero perguntas)
- Formular teses e argumentos que constituam ou se integrem em teorias filosóficas (1 pergunta, mas apenas em parte: a 2.1, do grupo III)
- Comparar teses relativas a um mesmo problema filosófico (1 pergunta: a 2.2, do grupo III)
- Defender teses, apresentando argumentos, objecções, ou contraexemplos (zero perguntas)
- Identificar formas argumentativas (duas perguntas: a 3 do grupo I e a 1.6, do grupo II)
ANÁLISE, INTERPRETAÇÃO E CRÍTICA
- Analisar textos filosóficos (2 perguntas: a 1.2, do grupo I, e, em parte, a 2.1 do grupo III)
- Avaliar criticamente teorias filosóficas (zero perguntas)
- Redigir composições filosóficas (não é claro o que seja isto)
Sinceramente, não consigo encaixar aqui algumas perguntas de escolha múltipla nem os percursos A e B do grupo II, pelo que as contas não vão bater certo.
Deixando de lado a enorme confusão conceptual presente na classificação anterior (identificar, formular e comparar teses são competências argumentativas?), consegue-se ver não só que a prova manifestamente não cumpre o que foi anunciado, como não cumpre nos aspectos filosoficamente mais importantes. Em suma:
- rigorosamente nada sobre as tão badaladas competências de problematização;
- 90 pontos sobre algumas das competências de conceptualização elencadas;
- 65 pontos sobre as supostas competências de argumentação indicadas, embora apenas cerca de 10 pontos se destinem a testar competências efectivamente argumentativas;
- cerca de 35 pontos destinados às competências de análise e interpretação, mas não de crítica.
Quase metade do teste incide, portanto, sobre o mesmo tipo restrito de competências. Impressionantemente desequilibrado, no mínimo.
Mas há um segundo aspecto em que o teste viola descaradamente as orientações, desta vez em relação aos conteúdos anunciados. Aí se diz claramente que a lógica formal vale entre 35 a 55 pontos. E explicita o que se entende por lógica formal: a distinção verdade/validade (isto não é lógica formal, mas enfim); as regras do silogismo ou, em alternativa, as conectivas proposicionais e as tabelas de verdade; e, por fim, as falácias formais.
Ora, sobre a distinção verdade/validade há, com boa vontade, duas perguntas de escolha múltipla (a 1.1 e a 1.3 do grupo II, num total de 10 pontos), sobre falácias formais nada há e sobre teoria silogística ou lógica proposicional, há apenas 20 pontos em jogo. Resultado: um total de 30 pontos para a lógica formal, quando se anunciou que seriam 35-55 pontos.
É notório que os autores da prova procuraram defender-se do desconforto que se adivinha sentirem relativamente à lógica. Mas isso não justifica que tenham violado, mais uma vez, as suas próprias orientações, defraudando as legítimas expectativas dos alunos. E não foram poucos os que já se queixaram disso.