Professores, mãos à obra!
30 de maio de 2012 ⋅ Blog
Filosofia para crianças
Professores, mãos à obra!
Arte e moralidade
29 de maio de 2012 ⋅ Blog
O a priori
Se nunca tivéssemos razões a priori para pensar que se uma afirmação ou conjunto de afirmações são verdadeiros, alguma outra afirmação tem também de ser verdadeira, então simplesmente não poderia haver algo que constituísse o raciocínio genuinamente cogente. Sugiro, assim, que a rejeição de razões a priori é equivalente ao suicídio intelectual.
Laurence BonJour
28 de maio de 2012 ⋅ Blog
Relativismo Moral
26 de maio de 2012 ⋅ Blog
Da Certeza
Comentários
24 de maio de 2012 ⋅ Blog
Estética na Universidade do Minho
A filosofia de Keith Donnellan
22 de maio de 2012 ⋅ Blog
Filosofia deixa escapar talentos?
Nota: não possuo qualquer estudo que me indique as taxas de opção pela filosofia em Inglaterra. Os dados que disponho decorrem das informações dadas por pessoas ligadas ao ensino (não só em filosofia) e que têm experiência em Inglaterra. Em Portugal há naturalmente excepções, mas estou nesta questão a dar um tratamento geral ao problema.
21 de maio de 2012 ⋅ Blog
Murcho, de Nietzsche, por Fisher-Dieskau
Diálogo socrático
20 de maio de 2012 ⋅ Blog
Uma Pequena História da Filosofia
Russell sobre a covardia intelectual
As pessoas dirão que, sem os consolos da religião, elas seriam intoleravelmente infelizes. Tanto isto é verdadeiro, quanto também é um argumento de um covarde. Ninguém senão um covarde escolheria conscientemente viver em um paraíso dos tolos. Quando um homem suspeita da infidelidade de sua esposa, não lhe dizem que é melhor fechar os olhos à evidência. E eu não consigo ver a razão pela qual ignorar as evidências deveria ser desprezível em um caso e admirável no outro.
19 de maio de 2012 ⋅ Blog
Jonathan Glover
Existem muitas formas de fazer Filosofia e nem toda a gente pode pensar em todos os assuntos. Há espaço para filósofos especializados em questões altamente abstractas e com um domínio restrito. Todavia, seria uma perda se isto se tornasse a norma. Tal coisa impediria a Filosofia de criar dificuldades à crendice.
Steiner e outros sobre Heidegger e o nazismo
Martin Heidegger que descobriu em si próprio a missão de re-acordar as pessoas para a compreensão do Ser, foi o mais famoso filósofo a apoiar os nazis. O seu entusiasmo foi muito mais além do conformismo; as suas aulas e conferências incluíam a saudação nazi. Ele foi contra a influência judaica na vida cultural alemã: em 1929 escreveu, “nós ou vamos voltar a encher a nossa vida espiritual com forças e educadores nativos genuínos ou então rendemo-nos de uma vez por todas à Judaicização crescente “(...).O interesse pelo lado corporal do Ser ia muito mais além de fazer o pino. Quando Karl Jaspers lhe perguntou: “Como pode um homem tão ordinário como Hitler governar a Alemanha?” Heidegger respondeu, “A cultura não tem importância. Olha só para as suas maravilhosas mãos."
Peter Railton no SELF
18 de maio de 2012 ⋅ Blog
Helena Melo
A filosofia que era ensinada nas escolas secundárias e na universidade não me interessava. Mas fui estudar filosofia porque me apaixonei pelo género de coisa que vi Descartes a fazer nas Meditações, quando andava no décimo segundo ano. Raciocínio intenso, objecção e resposta, teorização sofisticada sobre problemas muitíssimo abstractos e apaixonantes. Quando vi isto percebi que já gostava muito de filosofia antes ainda de saber que era filosofia. Mas a filosofia na escola não tinha qualquer relação com tal coisa, não nos ensinava a fazer isso. Na universidade descobri que era mais do mesmo. Apesar de as carências culturais, intelectuais e bibliográficas não serem tão profundas, o ensino estava muitíssimo longe da excelência educativa e filosófica. Andei vários anos pensando se valia a pena realmente fazer um curso que não me preparava minimamente para fazer o que eu queria: filosofar.
Foi então que descobri que as bibliografias usadas na universidade e na escola eram apenas uma pequeníssima parte da bibliografia filosófica internacional. Descobri esta bibliografia na Biblioteca João Paulo II, da Universidade Católica de Lisboa, de que era leitor -- dado que a biblioteca da Universidade de Lisboa, onde eu era aluno, era muitíssimo pobre. Quando descobri bibliografias muito diferentes das que eram veiculadas na universidade, percebi que aquilo era o que eu procurava. Porque não apenas nessas bibliografias pessoas como eu faziam filosofia, com uma linguagem despretensiosa e muito directa, sem o lodo gramatical que era cultivado na universidade, mas também porque -- e isto era comovente -- se davam ao trabalho de escrever livros introdutórios muito, muito acessíveis e muito, muito inteligentes, que me ensinavam directamente, e sem pretensões, a filosofar.
Assim, continuei o curso, sabendo que era o sacrifício necessário para mais tarde poder estudar apenas o que eu considerava interessante. Nas horas vagas, tentava aprender filosofia, sozinho, o melhor que podia, com a ajuda de professores estrangeiros que nada me deviam mas que escreviam livros que para mim eram cruciais. Estava quase a acabar o curso quando a Helena Melo mudou tudo, para o bem ou para o mal.
No intervalo de uma aula particularmente desinteressante eu achei graça à cara de enfado dela. Eu tinha no máximo trocado um par de palavras com ela, ao longo do curso, porque tanto ela como eu fazíamos disciplinas de diferentes anos. Então perguntei-lhe se a aula era assim tão má, e ela respondeu que todos os anos pensava cancelar o curso e todos os anos voltava a ele e sempre se arrependia. Eu nunca tinha dito fosse a quem fosse que havia muitas outras bibliografias, com abordagens muito diferentes da filosofia. Mas disse-lhe a ela, e expliquei-lhe a diferença. Ela mostrou interesse e fez-me várias perguntas. Eu achei graça ao interesse dela, porque a verdade é que a generalidade dos colegas de curso não tinham quaisquer interesses culturais nem intelectuais -- nem em filosofia, nem em coisa alguma. E fui respondendo, dando exemplos, falando de autores e de temas.
Depois de um silêncio, ela disse-me com ar reprovador: "Então tu sabes de tudo isso e não dizes a ninguém?"
Pronto, agora já disse a alguém. Disse-o a muitas pessoas. E disse-o durante 17 anos. Já chega, Helena.
Fim?
A minha Oxford de filosofia
16 de maio de 2012 ⋅ Blog
Cláudio Costa no blog
Ensino e prostituição
Talvez seja algo exagerado afirmar que o ensino se prostituiu quando se estatizou, mas não será um exagero assim tão grande. A estatização do ensino ocorre quando o estado dá à escola o poder de conferir estatutos reconhecidos pelo estado — diplomas que dão acesso a empregos. Na Grécia da antiguidade isso não acontecia: as diversas escolas de filosofia gregas — a academia e o liceu, o jardim de Epicuro e o pórtico dos estoicos, entre outras — não tinham, felizmente para eles, qualquer reconhecimento do estado, e não desempenhavam qualquer função em nome do estado. Os sofistas, cujo nome ganhou depois má reputação, sobretudo às mãos de Platão, eram professores itinerantes que respondiam às necessidades de ensino dos jovens gregos, que queriam ficar aptos a dominar diferentes assuntos por diferentes motivos — um dos quais, a persuasão a todo o custo, importante naquele tempo, como hoje em dia, para uma carreira política. Não sabemos em pormenor como se processava o ensino nas escolas de filosofia gregas da antiguidade, ou com os sofistas, mas não será uma especulação descabida pensar que se os alunos eram aí avaliados, a sua avaliação tinha uma relação direta com a natureza do próprio estudo desenvolvido, e não com quaisquer ditames estatais, relacionados com diplomas.
O ensino dá os primeiros passos no sentido da estatização com a fundação das escolas medievais que deram origem às universidades: as studia generalia. Estas eram já uma resposta às necessidades de educar monges e clérigos para lá do ensino elementar que recebiam nas escolas monásticas e nas catedrais. Quando a primeira instituição semelhante a uma universidade moderna é fundada em Salerno, na Itália, no séc. IX, aproximamo-nos ainda mais da estatização do ensino, pois tratava-se exclusivamente de uma escola de medicina, cuja profissão será mais tarde fortemente regulamentada pelo estado. A fundação da primeira universidade europeia propriamente dita, dedicada a várias áreas, ocorreu em Bolonha, no séc. XI. As universidades de Paris e Oxford, fundadas no séc. XII, apesar de continuarem a infeliz caminhada no sentido da estatização, eram ainda fundamentalmente instituições independentes: uma espécie de cooperativas de professores e estudantes, que tinham a liberdade de fazer o que julgavam adequado, sem dar satisfações ao estado. Já a Universidade de Nápoles, assim como a de Toulouse, ambas fundadas no séc. XIII, tornam explícito o problema que hoje vivemos: a primeira foi fundada pelo imperador Frederico Segundo, respondendo por isso à autoridade imperial, e a segunda foi fundada por decreto papal. A apropriação das universidades e do ensino por parte do poder político e eclesiástico inaugura uma parte importante dos problemas e confusões que hoje vivemos; e ainda que seja certamente um exagero afirmar que nada de bom daí adveio, não estaremos longe da verdade se afirmarmos que grande parte dos males que hoje vivemos no ensino resultaram desta apropriação.
A estatização do ensino teve o efeito devastador de normalizar todos os aspectos do ensino, incluindo os métodos, as bibliografias, os desenhos curriculares e as avaliações. Como seria de esperar, a normalização do ensino dificulta a inovação e tende a produzir professores iguais aos professores anteriores, que por sua vez formam professores iguais a si mesmos. A inovação genuína e a saudável experimentação é hoje quase impossível no ensino e basta pensar como seria hoje a tecnologia dos computadores, por exemplo, caso esta fosse inteiramente normalizada e centralizada pelo estado, para se ter uma ideia de como poderíamos ter inovado em educação se o estado centralizador não nos castrasse.
Como se isso não bastasse, a estatização do ensino teve ainda o efeito de obrigar as pessoas a estudar o que não querem e de não lhes permitir estudar o que querem. Os jovens são obrigados a estudar nas escolas e universidades, mas a uniformização não lhes permite escolher o que realmente querem. Os estudantes são obrigados a estudar o que não lhes interessa e nunca lhes interessará, acabando por ter um profundo desprezo pelo próprio ensino no seu todo. São horas infindáveis de tédio e sacrifício por parte deles, e recursos financeiros desperdiçados, quase sempre públicos. Consideramos hoje normal que um punhado de pessoas que detêm o poder político, e ainda que não tenham qualquer concepção minimamente articulada, e ainda menos defensável, do que deve ser uma escola ou uma universidade, tenham o direito de decidir quem estuda o quê e como e onde, dando origem ao imenso desperdício e tédio infindável do ensino actual, quando a simples liberdade grega original de cada qual fazer a sua escola e cursar o que bem quiser daria uma resposta muito mais eficaz às necessidades educativas dos jovens. Talvez no futuro as pessoas olhem para o ensino que temos hoje e fiquem perplexas com a nossa confiança cega na estatização e centralização, mesmo depois de termos aprendido pela experiência que ambas geram ineficiências, desperdício, normalização e ausência de inovação em quase todas as áreas.
É neste contexto mais vasto que temos de inserir alguns debates atuais sobre o que queremos que seja a universidade ou a escola. Quando Wolff 1969 ironiza, tendo em mente as universidades norte-americanas, que estas
“foram fundadas por todo o tipo de razões: para preservar uma fé ancestral, para fazer prosélitos de uma nova fé, para formar trabalhadores especializados, para elevar os padrões de diferentes profissões, para expandir as fronteiras do conhecimento e até para educar os jovens” (p. 1),está propositadamente a deixar para o fim aquilo que numa primeira análise poderia parecer que seria a razão de ser das universidades: a educação dos jovens. Wolff apresenta então, com a mesma ironia que o caracteriza, quatro concepções de universidade:
- Santuário de erudição, para investigar e ensinar a investigar aqueles aspectos da realidade profundamente desinteressantes para a maior parte da população, e até irritantes, como a matemática pura, a biologia molecular ou a metafísica da modalidade;
- Escola profissional, para dar formação aos futuros profissionais das mais diversas áreas, da farmácia à hotelaria, passando pelo turismo e pela computação;
- Serviço social, para mudar a sociedade, tornando-a mais igualitária, destruindo elites ou pelo menos permitindo que mais e mais pessoas pertençam às elites (duas concepções diferentes do projeto igualitarista que nem sempre se vê que são incompatíveis);
- Linha de montagem de cidadãos, para que as pessoas fiquem todas iguais e a pensar o mesmo, participando cada vez mais no que não querem de modo algum participar: a vida pública.
Mal se apresenta estas diferentes concepções de universidade, gera-se um debate sobre qual delas deve ser dominante. Este debate, contudo, só faz sentido no contexto de centralização e estatização do ensino em que vivemos; caso este não existisse, como na Grécia da antiguidade, diferentes instituições poderiam responder a diferentes necessidades dos estudantes e refletir diferentes interesses de professores e investigadores. Não haveria qualquer debate, do mesmo modo que não há qualquer debate sobre se os sapatos devem ser todos pretos ou castanhos ou azuis, com sola de borracha ou lona ou cabedal: tal debate não existe porque cada qual faz os sapatos como lhe apetecer e cada qual compra os que prefere. Do mesmo modo, não fosse a estatização e centralização do ensino, diferentes estudantes e diferentes professores poderiam escolher diferentes tipos de ensino, segundo as suas preferências.
Referência
O segundo sexismo
The Second Sexism: Discrimination Against Men and Boys, de David Benatar (Wiley), vai fazer muita gente ficar muito irritada. Ele escreve coisas que irritam pessoas. No seu livro anterior, Better Never to Have Been: The Harm of Coming into Existence (OUP, 2008), defendeu que é imoral ter filhos porque existir é sempre pior do que não existir.
Pluralismo epistémico
Um leitor amável deste blog protestou por eu pôr aqui na mesma categoria teorias como a homeopatia, por exemplo, e autores como Heidegger. A razão de ser do protesto é, presumivelmente, que esse leitor considera a homeopatia lixo, mas não considera o mesmo de autores como Heidegger. Ora, eu penso que há aqui duas confusões cruciais.
Em primeiro lugar, muita gente não considera que a homeopatia seja lixo pseudocientífico; há quem pense isso, e eu penso isso, mas há quem não o pense. Um livro equilibrado sobre a homeopatia, entre outros temas das fronteiras da ciência, é 13 Things that Don’t Make Sense, de Michael Brooks, uma leitura que recomendo. Portanto, o leitor protestou precisamente por pensar que a homeopatia é lixo intelectual — mas isso é certamente ofensivo para quem pensa que não é lixo intelectual, e para quem, como no Reino Unido, é médico homeopata reconhecido pelo estado e com consultório aberto. O que se esconde então nesta confusão do meu leitor? A incapacidade para compreender que o que ele mesmo considera lixo intelectual ou académico outras pessoas consideram que é trabalho intelectual e académico de grande valor. Esta incapacidade, por sua vez, é uma das consequências mais danosas do actual totalitarismo epistémico que é exercido nas universidades, com a protecção do estado. Não houvesse este totalitarismo e as pessoas teriam uma maior consciência da imensa diversidade epistémica humana, que faz algumas pessoas considerar de extremo valor intelectual o que outras consideram puro lixo, confusão e incompetência elementar.
Em segundo lugar, devia ser evidente que, porque os seres humanos são falíveis, seja quem for que pensa algo, talvez esteja errado. Assim, quando alguém pensa que algo é cognitivamente interessante, ou de extremo valor intelectual e académico, talvez esteja errado. E, claro, quando alguém pensa que isso é destituído de interesse cognitivo e sem valor intelectual nem académico, talvez esteja errado. A confusão do meu leitor é pensar que só porque várias pessoas discordam de mim quanto ao valor intelectual de algo, então eu estou errado quanto a isso — ou, pior, não tenho o direito de exprimir publicamente as minhas opiniões eventualmente erradas sobre tal coisa.
Estas duas confusões são o resultado do totalitarismo epistémico operado nas universidades. O problema do totalitarismo epistémico é dar uma aparência de infalibilidade aos juízos falíveis conjuntos dos académicos. Acontece que é verdade que, se estes juízos forem honestamente produzidos e discutidos num clima de completa abertura, há efectivamente maiores probabilidades de tais juízos acertarem na verdade, do que se forem juízos feitos à toa. Mas esta maior probabilidade não exclui a possibilidade do erro, e a história aí está para nos mostrar que praticamente nenhuma instituição — talvez à excepção da igreja católica — cometeu mais erros epistémicos crassos do que as universidades. As ideias de Descartes foram proibidas nas universidades do seu tempo, Hume nunca conseguiu ser professor universitário, e o trabalho académico, reconhecido pelos pares, feito por quem os expulsou está hoje esquecido -- e se fosse lido ficaríamos talvez espantados com a indigência intelectual (para usar o termo do meu leitor) aí manifestada.
Como expliquei no livro A Ética da Crença, agentes cognitivos falíveis como nós precisam de estar continuamente a fazer controlos e ajustes: controlos, para ver se o que parece verdade é realmente verdade, e ajustes, para reajustar as nossas crenças face a novos dados relevantes. Acontece que os outros agentes cognitivos são uma parte crucial desses controlos e ajustes: se me parece ver o João ao longe, mas os meus três amigos me dizem que não é o João, eu desconfio de que vi mal, apesar de que talvez sejam eles que estejam errados. Passamos a vida a controlar e ajustar as nossas crenças, mesmo as mais banais, com as crenças de outros agentes cognitivos à nossa volta. Isto faz pleno sentido, porque desse modo baixamos a probabilidade de estarmos errados. Mas agora dá-se outro erro crucial: a tentação do unanimismo epistémico.
O unanimismo epistémico é para nós confortável porque nos poupa o trabalho de desconfiar que talvez as nossas crenças mais centrais e operativas — as que regulam as nossas escolhas no que respeita ao tempo investido no que investigamos, por exemplo — estejam erradas. Só que o unanimismo epistémico só é indício de maior probabilidade da verdade das nossas crenças se as ideias opostas e incómodas morreram de morte natural: porque as pessoas, livremente, abdicaram dessas crenças por as considerarem, com boas justificações, falsas. Portanto, há muitos casos em que o unanimismo epistémico, tal como a avaliação pelos pares, não nos faz acertar na verdade, mas antes persistir no erro.
Ora, o que o meu leitor quer é unanimismo epistémico quanto ao valor do que ele estuda. Acontece que isso não existe. Muitos filósofos pensam que Heidegger é um filósofo incompetente; e este género de juízos é normal entre filósofos — na verdade, o próprio Heidegger pensa que quase todos os filósofos depois de Parménides se esqueceram do ser, o que denota pelo menos uma certa incompetência da parte deles. E são conhecidas as invectivas pouco simpáticas de Nietzsche contra Platão. O filósofo Leo Strauss é posto em causa por muitos académicos, como se pode ler na recensão de Kenneth B. McIntyre ao livro Leo Strauss and the Conservative Movement in America, de Paul Gottfried. O filósofo vienense Paul Edwards, dificilmente um filósofo fechado e sem conhecimentos abrangentes da filosofia — uma vez que organizou a excelente Encyclopedia of Philosophy, que abrange todas as áreas da filosofia —explica no livro Heidegger’s Confusions por que razão este pensador era vítima de confusões sistemáticas.
A ânsia de unanimismo epistémico compreende-se, mas não é saudável. Compreende-se que uma pessoa não queira perguntar-se se o que está estudando é realmente um autor interessante, ou se será antes uma vítima de confusões intelectuais constantes, sendo o nosso investimento no seu estudo algo desavisado. Mas a reacção adequada a isso é fazer um trabalho intelectual honesto. Quando estudamos um autor, quer ele se revele intelectualmente desinteressante quer não, se o nosso trabalho for feito de acordo com os mais exigentes padrões de objectividade, clareza, confronto de ideias, discussão de argumentos e alternativas teóricas, nunca estaremos perdendo tempo. O livro Thinking the Impossible: French Philosophy Since 1960, de Gary Gutting, parece-me interessante do que já li dele, e não é um trabalho em vão – ainda que a conclusão seja que os filósofos estudados estão mergulhados em confusão, como defende Edwards relativamente a Heidegger.
Acontece que a julgar pelas teses publicadas na Crítica, a maior do trabalho académico sobre estes autores não se orienta por padrões exigentes de objectividade, clareza, confronto de ideias, discussão de alternativas teóricas e um domínio sólido dos conceitos e ideias relevantes. Pelo contrário, pouco mais são do que jogos de palavras intelectualmente pouco promissores, para não dizer indigentes. Todavia, as pessoas têm o direito de encarar a filosofia dessa maneira; não vejo problema algum nisso. Se o interesse que têm num dado autor ou tema é primariamente cognitivo ou se, pelo contrário, é sobretudo existencial e espiritual, isso só a elas diz respeito. O que defendo é que o unanimismo académico transforma trabalhos que poderiam ser explicitamente bíblicos e panfletários em coisas que imitam o género de rigor, objectividade, clareza e confronto de ideias que as pessoas de algum modo interiorizaram que é obrigatório nos trabalhos académicos. Mas entre fingir superficialmente que se faz um trabalho desse género, e ser honesto e rejeitar tais padrões, eu voto pela liberdade e portanto pela segunda alternativa: cada qual que escreva como bem lhe aprouver e faça o que quiser. A situação actual é, em qualquer caso, medonha: pessoas que têm exactamente as mesmas qualificações académicas que outras, ou até mais, são contudo totalmente incompetentes naquilo que as segundas são competentes, mas não há quaisquer competências que as primeiras tenham que as segundas não tenham. De maneira que era melhor acabar com a mentira e admitir, como famosamente afirmou Feyerabend noutro contexto, que tudo vale.
15 de maio de 2012 ⋅ Blog
John Stuart Mill
É imperativo que exista a mais ampla liberdade de professar e discutir, enquanto convicção ética, qualquer doutrina, por mais imoral que seja considerada.
14 de maio de 2012 ⋅ Blog
O que somos nós?
What are We? A Study in Personal Ontology, de Eric T. Olson (OUP, 2007), é um dos muitos livros que marcam de modo nítido a diferença entre um interesse genuinamente cognitivo no que somos e uma ansiedade para-religiosa ou existencial quanto ao que somos. Neste caso, as pessoas podem não o conhecer porque está escrito na língua bárbara da Coca-Cola (podemos ignorar Shakespeare, que se esqueceu de ser alemão); já o caso de O Sentido na Vida, de Susan Wolf, tem a vantagem de estar traduzido na língua superlativamente culta de Camões. Mas também aqui as pessoas podem não conhecer o livro porque preferem comprar coisas mais interessantes do que livros. Nesse caso, poderiam ler o texto do poeta e filósofo John Koethe, "Estética e Sentido", gratuitamente disponível na Crítica. Este texto expõe a dificuldade seguinte: para alguns de nós, a entrega a projectos de vida, nomeadamente artísticos, é vista como central para uma vida dotada de sentido; todavia, faz parte da natureza destes projectos o facto de poderem falhar completamente, e muitas vezes não temos maneira de o saber. O que pensar sobre isto? Até que ponto isto põe em causa, ou não, a concepção do sentido da vida tal como foi elaborada por Susan Wolf?
Por que razão quem lamenta e quer proibir que algumas pessoas se interessem por problemas filosóficos destituídos de interesse existencial ou para-religioso não fala sobre livros e textos destes? As razões foram por mim expostas em vários textos, entre os quais "A Religião de Darwin", publicado no livro Exuberâncias da Caixa Preta: Charles Darwin, organizado por Maria Rui Vilar-Correia, Sónia Martins, eJúlio Borlido-Santos (Matosinhos: ESAD, 2011), e "Compreender as Críticas à Filosofia Analítica". Numa palavra, a razão é que uma pessoa pode estudar respondendo a dois impulsos diferentes entre si, e na verdade dificilmente conciliáveis: a curiosidade intelectual, o prazer da descoberta -- da descoberta de realidades, mas também de problemas -- de que alguns de nós ainda nos lembramos quando éramos crianças (o intelectual genuíno mantém essa curiosidade radical da criança); e a vontade de conforto espiritual, a que chamo o impulso para-religioso -- o equivalente de sentir a protecção da mãe todo-poderosa quando tínhamos medo do escuro ou estávamos assustados e ela nos confortava e aquietava. A razão pela qual estes dois impulsos são dificilmente conciliáveis é que o primeiro exige a verdade, mesmo que isso implique sacrificar o conforto espiritual (não somos o centro do universo? Paciência!), ao passo que o segundo exige antes de mais palavras reconfortantes mesmo que sejam destituídas de sentido real ou que sejam literalmente falsas (a existência não precede a essência? Paciência!).
Assim, mesmo que tratemos da "questão do Homem", como o livro de Olson (entre tantos outros) ou do sentido da existência, como o livro de Wolf ou a antologia por mim organizada, quem procura sobretudo conforto espiritual na filosofia não terá qualquer interesse nestas leituras. Porque o que essa pessoa quer é ler palavras que a aquietem e inspirem; quer confirmar a cada passo a sua superlativa importância, o heroísmo da sua vida, a centralidade cósmica das suas dores de alma.
Esta diferença é mais difícil de compreender porque no caso de ciências como a física, biologia ou matemática, este género de discursos e de atitudes foi infelizmente expulsa das universidades e da cultura oficial. O resultado disto é dar a ideia falsa de que só nas humanidades e na filosofia há dois campos: quem encara o seu trabalho de um ponto de vista primariamente cognitivo, e quem o encara primariamente como para-religioso, encantatório ou algo místico. Contudo, tudo o que a universidade fez foi expulsar dela quem faz numerologia, astrologia, alquimia e outras actividades para-religiosas do género. Continuam a existir e sempre continuarão a existir livros de partidários destes assuntos, pela simples razão de que o impulso religioso humano é muitíssimo forte -- e a capacidade para o auto-engano e a mentira de si para si também.
O que me surpreende é a dificuldade de ambas as partes -- quem tem interesses primariamente cognitivos e quem tem interesses primariamente para-religiosos ou existenciais -- reconhecerem tranquilamente que a outra existe e tem o direito de existir desde que existam pessoas que queiram que exista. O que não consigo encontrar maneira de defender é o unanimismo epistémico -- a expulsão dos poetas da cidade cognitiva, que os cientistas conseguiram fazer, ou o inverso. Parece-me que a liberdade intelectual, de ensino e de estudo é muito difícil de refutar, e esta implica aceitar com tranquilidade a existência de pessoas com interesses e atitudes muitíssimo diferentes dos nossos. A mim não me perturba minimamente que segundo alguns critérios académicos se considere excelente o que segundo outros se considera pouco mais do que cómico, e vice-versa. Isto sempre aconteceu e sempre acontecerá. O que nos dá a ideia de que é possível uma unanimidade ou quase unanimidade é o falso modelo da ciência. Mas na ciências só há esta aparência de unanimidade porque os cientistas começaram a expulsar das universidades quem não tinha uma concepção estritamente cognitiva de ciência. Na verdade, um ou dois séculos antes também havia uma falsa unanimidade nas universidades, quando estas eram dominadas pelo pensamento católico: se expulsarmos das universidades quem não pensa como nós, caímos depois na ilusão de pensar que há unanimidade -- e, o que chega a ser cómico, elegemos depois essa unanimidade inventada por nós como critério de verdade absoluta. Nunca devemos menosprezar a capacidade humana para a mentira e o disparate, mesmo entre quem é mais culto e inteligente.
13 de maio de 2012 ⋅ Blog
A lógica está fora de jogo?
12 de maio de 2012 ⋅ Blog
Schauer e Spellman na Puc-Rio
Putnam coligido
Railton na UFMG
11 de maio de 2012 ⋅ Blog
O lugar de Quine na filosofia
Scott Soames apresenta aqui as principais teses defendidas por Quine. O artigo sairá no A Companion to W. V. O. Quine, org. Ernie Lepore e Gilbert Harman, John Wiley and Sons Publisher.
A luz na filosofia analítica
O novo livro de Colin McGinn é nojento
9 de maio de 2012 ⋅ Blog
Por que há físicos em vez de nada?
A Universe From Nothing: Why There is Something Rather Than Nothing, de Lawrence M. Krauss, tem um título promissor. Puxei uma amostra para o Kindle para ver se era bom e não gostei: pareceu-me mais um episódio da guerra política contra as pessoas religiosas, tristemente iniciada por Dawkins, com a agravante de ser filosoficamente pouco pueril. Não fui o único que achou o livro, digamos, pouco interessante. David Albert, especialista em filosofia da física (e ele mesmo doutorado em física), publicou no New York Times uma crítica devastadora. Vale a pena ler.
O conselho de Ruth
"O meu único conselho é dizer o que pensamos, sermos nós mesmas, e sermos profissionais", respondeu Ruth Barcan quando lhe perguntaram como fazer para vencer os preconceitos machistas dos homens, segundo Diana Raffman, neste artigo. (Na foto, Ruth Barcan com 22 anos.)
8 de maio de 2012 ⋅ Blog
Williamson em Lisboa
6 de maio de 2012 ⋅ Blog
4 de maio de 2012 ⋅ Blog
Metafísica da Ciência
Eis aqui uma ótima bibliografia sobre metafísica da ciência organizada pelo AHRC Metaphysics of Science Project.
Lógica ≠ Filosofia
2 de maio de 2012 ⋅ Blog
Susan Haack sobre o formalismo na filosofia
Science, Scientism, and Anti-Science in the Age of PreposterismUma manifestação de inveja da ciência é o pseudo-rigor matemático ou lógico que assola boa parte da recente escrita filosófica. Isto, falando diretamente, é um tipo de obscuridade exagerada. Não que o recurso às linguagens da matemática ou da lógica nunca ajudam a tornar um argumento ou tese filosófica mais claros; claro que torna. Mas, pode também obstruir o caminho da real claridade, ao disfarçar com uma impressionante sofisticação lógica o fracasso de pensar de modo suficientemente profundo ou crítico sobre os conceitos que estão sendo manipulados. E isso passou a ser, muito frequentemente, o que Charles Sykes chama "Profescurso" -- usar símbolos desnecessários para transmitir uma falsa impressão de rigor e profundidade.
Rawls em português
John Rawls (1921–2002) foi um filósofo moral de destaque e o principal responsável pelo revigoramento da filosofia política contemporânea. Sua maior obra, Uma Teoria da Justiça, representa um divisor de águas nas discussões sobre como podemos e devemos viver em sociedade. Nesta obra, Rawls tem como principal objetivo explicar como seria possível uma sociedade justa e propõe que os princípios da justiça são aqueles que pessoas livres e racionais escolheriam em condições que garantissem a imparcialidade da sua escolha. Isso seria possível numa situação hipotética de igualdade, a posição original, em que tais pessoas escolheriam contratualmente os princípios da justiça. Estes princípios regulamentariam instituições sociais básicas como a atribuição de deveres e direitos, a distribuição de riquezas, a constituição política, o mercado e a propriedade.
O contrato da posição original é justo, pois seria realizado sob um véu de ignorância no qual os participantes do contrato, apesar de interessados em atingir seus próprios objetivos, não sabem quais serão as suas posições sociais, raça, sexo, talentos naturais e concepções de bem nessa sociedade: poderiam ser pobres ou ricos, negros ou brancos, homens ou mulheres, inteligentes ou não, utilitaristas ou kantianos. Como todos os participantes do contrato estão numa situação semelhante, eqüitativa, isso impede que eles possam utilizar raciocínios egoístas ou arbitrários ao decidir o que é justo para a sociedade, pois se eles não sabem se serão ricos ou pobres, por exemplo, não poderão escolher regras arbitrárias que privilegiam uma classe social e prejudique as demais. O que essas pessoas logo constatariam é que em qualquer modo de vida possível alguns bens sociais seriam fundamentais para elas como os direitos, as liberdades, as oportunidades, a renda, a riqueza e as bases sociais da auto-estima. As regras escolhidas imparcialmente nesse contrato levam tais bens em consideração e são os princípios da justiça:
- Princípio da liberdade igual: cada pessoa deve ter um direito igual ao mais extenso sistema de liberdades básicas iguais que seja compatível com um sistema de liberdades idêntico para as outras.
- Princípio da diferença: as desigualdades sociais e econômicas devem ser ordenadas de tal modo que sejam ao mesmo tempo a) consideradas como vantajosas para todos dentro dos limites do razoável, e b) vinculadas a posições e cargos acessíveis a todos.
Deste modo, uma sociedade justa estabelecida de modo racional e imparcial asseguraria os direitos políticos reconhecidos nas democracias liberais como a liberdade de expressão, a liberdade de religião, o direito à justiça, o direito de votar etc. Nessa sociedade justa também haveria uma grande distribuição de riqueza exceto nos casos em que a desigualdade fosse justificada como um incentivo que beneficia e está aberto a todos, como pagar mais aos médicos, por exemplo. Em qualquer caso há uma distribuição justa e igualitária e uma desigualdade de oportunidade, renda e liberdade só seria aceitável se beneficiasse os menos favorecidos.
A teoria da justiça de Rawls é interessante por várias razões sendo uma delas captar algumas de nossas intuições morais básicas acerca da justiça. Trata-se de uma teoria influente e precisamente por isso foi imensamente discutida, sendo alvo de várias objeções. Uma das objeções, apresentada por Dworkin, é que sua teoria não condiz com nossas intuições acerca da justiça, pois implica que certas escolhas devem injustamente subsidiar outras.
Imagine dois professores de filosofia que dão aulas na mesma escola. Ambos também têm os mesmos recursos financeiros, talentos naturais e antecedentes sociais. Um dos professores é, no seu tempo livre, um boêmio que esbanja seu dinheiro em boates caras. Como ele também tem uma família para sustentar, muitas vezes fica sem dinheiro para pagar as contas. Nessas situações de apuros financeiros ele recorre ao apoio social do estado. O outro professor, por sua vez, dedicou-se no seu tempo livre a estudar mais filosofia. Com muito esforço e dedicação ele passa até mesmo a fazer palestras para complementar sua renda, ganhando duas vezes mais do que antes. De acordo com o princípio da diferença as desigualdades de renda só são permitidas se beneficiam os menos favorecidos. Isso implica em dizer que nesse caso o professor boêmio deve ser beneficiado pelo professor dedicado, mas esta conseqüência é inaceitável, pois vai contra nossas intuições morais fundamentais de justiça. Pensamos que é justo compensar os custos que não são escolhidos como as doenças e deficiências de algumas pessoas, mas é injusto compensar os custos escolhidos pelas pessoas. A teoria de Rawls nos diz que o professor dedicado deve sustentar não apenas as suas próprias escolhas, mas também as escolhas do professor esbanjador, por meio de impostos. Essa conseqüência implausível ocorre porque o princípio da diferença proposto por Rawls não faz distinção entre custos escolhidos e não escolhidos. Cada pessoa pode ter o estilo de vida que preferir e por isso temos a intuição de que é justo que cada um deva ser responsável pelo custo de suas escolhas, mas a teoria de Rawls não capta essa intuição fundamental.
Outra objeção é que o contrato da posição original é muito limitado como um fundamento ético, pois deixa fora do âmbito da moralidade uma série de problemas éticos importantes como a relevância moral dos animais não-humanos e a preservação do meio ambiente. Admitindo a teoria de Rawls, que sentido há em perguntar se os animais não-humanos têm relevância moral ou não, já que os bens que determinam os princípios da justiça são apenas bens sociais para animais humanos? E por que deveríamos preocupar-nos em preservar o meio ambiente se os princípios da justiça nada dizem a respeito? Ao longo de sua trajetória filosófica, Rawls irá tentar responder a essas e outras objeções, além de reformular e explorar as conseqüências de alguns de seus principais argumentos.
A maior parte dos filósofos políticos importantes, como Robert Nozick e Michael Walzer, nem sequer são mencionados nos departamentos de filosofia do Brasil. Rawls é provavelmente uma exceção à regra, ainda que mais para ser decorado do que debatido. A teoria de Rawls, assim como as teorias desses filósofos, é mais conhecida nos departamentos de direito do que nos de filosofia. Consequentemente, as suas obras estão no Brasil publicadas em coleções de direito e não de filosofia. De qualquer modo, publicadas em coleções de direito ou não, as principais obras de Rawls foram traduzidas para o português e vale a pena divulgá-las:
- Uma Teoria da Justiça (Martins Fontes): principal obra de Rawls na qual apresenta a sua teoria da justiça como eqüidade, o argumento da posição original etc. Rawls irá designar a sua concepção de “justiça como eqüidade”, uma vez que o contrato sobre os princípios da justiça é feito numa situação inicial que é eqüitativa.
- Justiça como Eqüidade: Uma Reformulação (Martins Fontes): o livro consiste numa série de palestras de Rawls proferidas regularmente em Harvard durante os anos 80 em um curso de filosofia política. Teorias de filósofos como Hobbes, Kant, Hegel, Mill e Marx são avaliadas nessas conferências. Várias reformulações de seus argumentos são também apresentadas. Essas reformulações serão publicadas posteriormente em seu O Liberalismo Político.
- O Liberalismo Político (Editorial Presença): Rawls revisa a base de sua justificação para a justiça como eqüidade para torná-la mais compatível com o pluralismo do liberalismo.
- História da Filosofia Moral (Martins Fontes): uma coletânea de conferências de ética ministradas por Rawls em Harvard. As conferências abordam quatro tipos básicos de raciocínio moral: perfeccionismo, utilitarismo, intuicionismo e o construtivismo kantiano.
- O Direito dos Povos (Martins Fontes): Rawls pretende estender a idéia de um contrato social à sociedade dos povos e apresenta princípios gerais que poderiam ser aceitos tanto por sociedades liberais quanto por sociedades não-liberais.
- Justiça e Democracia (Martins Fontes): aborda principalmente a questão de saber como criar um consenso democrático capaz de respeitar a diversidade das sociedades contemporâneas que não seja um simples encontro de interesses divergentes.
Isaiah Berlin em português
Filósofo político e historiador, Isaiah Berlin (1909–97) tornou-se conhecido pelas suas contribuições na área da filosofia política, mais especificamente nas discussões acerca da liberdade. A sua principal contribuição é uma defesa da liberdade negativa apresentada em Two Concepts of Liberty (1959). A liberdade enquanto norma política pode ser interpretada de várias maneiras. Duas interpretações interessantes estão na distinção entre a liberdade negativa e a liberdade positiva. A liberdade negativa é a liberdade interpretada como a ausência de constrangimentos ou obstáculos à ação individual. A liberdade positiva é a liberdade interpretada com uma noção de autogoverno moral ou autodeterminação do indivíduo enquanto membro de um grupo.
As diferentes teorias em filosofia política acabam por privilegiar uma das duas interpretações, que sob certos aspectos são complementares. Se os liberais enfatizam a liberdade negativa devido à importância que atribuem à ausência de constrangimentos legais e sociais, teorias como a de Rousseau enfatizam que os gêneros mais importantes de liberdade só podem existir numa sociedade organizada com os constrangimentos necessários para que se possam atingir os melhores fins. Berlin se opõe às interpretações positivas da liberdade devido às perversões e abusos políticos a que dão margem. Rousseau, com sua teoria da vontade geral, por exemplo, nos leva ao absurdo de admitir a liberdade como uma forma de escravidão.
Berlin também se opõe às interpretações necessitaristas (deterministas, fatalistas) da história (Historical Inevitability, 1954) e sustenta uma concepção antideterminista do livre-arbítrio. Defensor de uma concepção política antiutópica, sustentada com exemplos históricos, Berlin afirma que os valores mais importantes para a humanidade necessariamente entram em conflito. Os esquemas políticos, teorias morais e religiões que negam esse pluralismo do valor (que negam que a “verdadeira liberdade” possa entrar em conflito com a “verdadeira igualdade”, por exemplo) têm resultado em desastres quando aplicadas na prática. Trata-se, portanto, de um filósofo político de inegável importância para qualquer discussão sobre a liberdade e a política. As suas obras traduzidas para o português são as seguintes:
- Estudos Sobre a Humanidade: Uma Antologia de Ensaios (Companhia das Letras): Uma antologia de ensaios que ilustram as concepções políticas de Isaiah Berlin, incluindo seu ensaio mais importante “Dois conceitos de liberdade”, em que apresenta sua defesa da interpretação negativa da liberdade.
- A Força das Idéias (Companhia das Letras): Esta obra reúne vários ensaios sobre temas como a finalidade da filosofia, o conceito de liberdade e os destinos do marxismo. Também estão presentes o último ensaio que Berlin escreveu, “Meu Caminho Intelectual” e o ensaio “Escravidão e Emancipação Judaicas”, que apresenta as suas polêmicas opiniões sionistas.
- Limites da Utopia: Capítulos da História das Idéias (Companhia das Letras): Isaiah Berlin questiona a pressuposição que está na base de todas as utopias: a idéia de que seria possível atingir o Bem absoluto. Preocupado com o aspecto totalitário presente nos projetos de sociedades ideais definitivas, Berlin faz um estudo das formas de racionalismo e anti-racionalismo que têm norteado a cultura ocidental.
- Rousseau e Outros Cinco Inimigos da Liberdade (Gradiva): Este livro é uma transcrição de seis conferências radiofônicas de Isaiah Berlin transmitidas pela BBC no ano de 1952. São seis conferências, cada uma delas sobre um “inimigo da liberdade”, mais especificamente: Helvécio, Rousseau, Fichte, Hegel, Saint-Simon e Maistre.
- Pensadores Russos (Companhia das Letras): Um exame da intelectualidade russa do século XIX e sua ruptura radical com as crenças e valores tradicionais. Entre os autores estudados por Berlin estão escritores como Tolstói e Turguêniev, e o anarquista Bakunin. Alguns desses ensaios são importantes para compreensão do liberalismo.
- O Sentido de Realidade: Estudos das Idéias e de sua História (Civilização Brasileira): Berlin sempre se opôs às concepções teóricas que tendem a tornar a vida mais fácil do que é, idealizando ou ignorando a realidade histórica, incluindo a história das idéias. Os textos desta obra têm em comum a preocupação de Berlin de compreender a história das idéias.
- Isaiah Berlin: Com Toda Liberdade (Editora Perspectiva): Esta obra resulta de uma série de diálogos de Isaiah Berlin com o filósofo Ramin Jahanbegloo. Berlin apresenta o núcleo de suas idéias, com a sua habitual prosa excepcionalmente clara e direta.
Dworkin em português
Ronald Dworkin é um dos filósofos do direito mais importantes da atualidade. É conhecido principalmente por sua crítica à Jurisprudência Positivista, que trata o direito como um conjunto de regras passíveis de análise independentemente da moralidade. Dworkin argumenta que isto é um engano, pois a distinção entre fatos e valores no domínio legal, entre o que o direito é de fato e o que o direito deveria ser, é mais imprecisa do que a Jurisprudência Positivista supõe. Deste modo torna-se impossível determinar o que o direito é em casos particulares sem recorrer a considerações morais e políticas sobre o que deve ser. Além disso, Dworkin sustenta que as decisões jurídicas adequadas se baseiam na melhor interpretação moral possível das práticas em vigor em uma determinada comunidade.
Dworkin também é conhecido por ser um defensor influente do liberalismo político, tendo contribuído de modo significativo para os debates da filosofia política e da ética prática. Associada à sua teoria do direito, Dworkin defende uma teoria de justiça na qual todas as decisões a respeito de direito constitucional e políticas públicas se devem basear na idéia de que todas as pessoas são iguais enquanto seres humanos e que independentemente das suas diferenças sociais, econômicas e estilos de vida, devem ser tratadas com igual consideração e respeito, em todos os aspectos relevantes para seu desenvolvimento humano. A sua defesa desse direito está na base de suas intervenções em debates importantes da atualidade, como as discussões sobre a desobediência civil, a liberdade de expressão, o aborto e a eutanásia. Felizmente foram traduzidas para o português suas principais obras; vale a pena divulgá-las:
- Levando os Direitos a Sério (Martins Fontes): é uma coletânea dos primeiros artigos de Dworkin, incluindo suas críticas à Jurisprudência Positivista.
- O Império do Direito (Martins Fontes): é a maior obra de Dworkin sobre a natureza do direito como uma prática interpretativa e sua prescrição sobre como a interpretação da lei deve ser feita.
- O Domínio da Vida: Aborto, Eutanásia e Liberdades Individuais (Martins Fontes): contêm as idéias de Dworkin sobre o aborto, a eutanásia e a inviolabilidade da vida.
- Uma Questão de Princípio (Martins Fontes): uma coletânea de artigos sobre a base política do direito, a natureza da interpretação, a teoria econômica do direito, a discriminação positiva e a censura, entre outros assuntos.
- A Virtude Soberana: A Teoria e a Prática da Igualdade (Martins Fontes): a sua defesa da igualdade como a virtude indispensável da soberania democrática.
- O Direito da Liberdade: A Leitura Moral da Constituição Norte-Americana (Martins Fontes): Dworkin procura provar que o sistema norte-americano de governo baseado na leitura moral da Constituição é uma das melhores formas de democracia existentes.
Estes livros estão publicados em coleções de direito e presume-se que sejam estudados em cursos de direito. A julgar pelo conhecimento que tenho de alguns departamentos brasileiros de filosofia, Dworkin não é estudado em filosofia - nem sequer mencionado. Isto é infeliz, porque não se pode reduzir a filosofia política a autores como Noberto Bobbio ou Michel Foucault, desprezando a empolgante discussão atual levada a cabo por filósofos como John Rawls, Robert Nozick, Isaiah Berlin, Michael Walzer e Michael Sandel só para citar alguns nomes.
Arquivo
-
▼
2012
(208)
-
▼
Maio
(45)
- Filosofia para crianças
- Arte e moralidade
- O a priori
- Relativismo Moral
- Da Certeza
- Comentários
- Estética na Universidade do Minho
- A filosofia de Keith Donnellan
- Filosofia deixa escapar talentos?
- Murcho, de Nietzsche, por Fisher-Dieskau
- Diálogo socrático
- Uma Pequena História da Filosofia
- Russell sobre a covardia intelectual
- Jonathan Glover
- Steiner e outros sobre Heidegger e o nazismo
- Peter Railton no SELF
- Helena Melo
- Fim?
- A minha Oxford de filosofia
- Cláudio Costa no blog
- Ensino e prostituição
- O segundo sexismo
- Pluralismo epistémico
- John Stuart Mill
- O que somos nós?
- A lógica está fora de jogo?
- Schauer e Spellman na Puc-Rio
- Putnam coligido
- Railton na UFMG
- O lugar de Quine na filosofia
- A luz na filosofia analítica
- O novo livro de Colin McGinn é nojento
- Por que há físicos em vez de nada?
- O conselho de Ruth
- Williamson em Lisboa
- Por que a beleza importa
- Metafísica da Ciência
- Lógica ≠ Filosofia
- Susan Haack sobre o formalismo na filosofia
- Rawls em português
- Isaiah Berlin em português
- Dworkin em português
- Matthew Kramer
- Martin Heidegger
- Estatísticas
-
▼
Maio
(45)
