Os anúncios nas manchetes de jornais da descoberta de um
novo centro do cérebro já se tornaram rotina. Supostamente já descobriram até mesmo a área do cérebro responsável pelo amor. Esses estudos são
realizados por meio de escaneamento cerebral, ressonância magnética e análises de neuro-imagens. O
entusiasmo de alguns especialistas da área é recebido com credulidade pela sociedade,
incluindo leigos em geral ou especialistas de outras áreas, que geralmente
partilham do preconceito cientificista de que as ciências experimentais podem
explicar praticamente tudo. Filósofos falam de neuro-filosofia, economistas
falam de neuro-economia, juristas falam de neuro-jurisprudência e publicitários
falam de neuro-marketing. A expectativa da nossa cultura
cientificista é que deve haver uma neuro-disciplina correspondente a qualquer
outra área de especialidade que irá informá-la ou (de preferência) substituí-la
de vez.
O problema é que esse oba oba resulta de exagero,
credulidade e falta de rigor. Como lembra Vaughan Bell, por meio desses mesmos métodos,
cientistas chegaram a conclusões absurdas como a de que um salmão morto tem
atividade cerebral ou de que há atividade cerebral sem qualquer atividade correlacionada. Matthew Crawford observa que no final dos anos 90 e início dos anos 2000 alguns
neurocientistas cognitivos mais críticos já apontavam o que muitos
pesquisadores ainda têm feito: sem qualquer teoria em mãos, colocam as pessoas
em máquinas de ressonância magnética para ver qual área do cérebro acende e em
seguida publicam seus resultados em periódicos de prestígio. Até mesmo Russell Poldrack, um dos pesquisadores líderes na área de interpretação de
neuro-imagens, aponta que há muita confusão na área, falsos positivos e erros
elementares de lógica na interpretação dos dados que são publicados em periódicos de especialidade e utilizados comercialmente. Outro problema é o retorno do
cientismo político, como argumenta Raymond Tallis. Alguns políticos já estão exigindo
que as neuro-imagens sejam utilizadas como indícios em tribunais para
determinar a culpabilidade de um réu. Tudo isso exige cautela e precisa ser
repensado.
3 comentários :
Além do perigo de se assumir uma altíssima regularidade e uma interpretação das atividades de áreas cerebrais para se tomar decisões sérias, como em julgamentos, há uma questão filosófica profunda. Acredita-se que com esses dados se revelou a origem do comportamento, mas nisso está embutida a premissa da dualidade corpo-alma de Descartes, sendo que agora o cérebro é a alma. Esse raciocínio cai na falha lógica da regressão infinita, em que o controlador deve possuir um outro controlador, e assim sucessivamente. Uma abordagem científica deve considerar os dados de atividade cerebral sob uma visão fisicalista e não repetir suposições comuns na religião, que geralmente são feitas intuitivamente e inconscientemente. É o cientista sendo religioso sem saber. Isso tem implicações para o avanço do entendimento do comportamento biológico.
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