Os departamentos em que se pratica a
filosofia analítica, que é pautada pelo rigor argumentativo e pela procura
constante de clareza conceitual, são supostamente lugares sérios para se fazer
filosofia. Até há pouco tempo, se uma feminista como Luce Irigaray afirmasse
que a mecânica dos fluidos é uma área subdesenvolvida da física porque ela é
identificada com a feminilidade, isso seria encarado com incredulidade e
descrédito. Afinal de contas, esse gênero de pensamento que vê a ideologia
machista por trás da ciência é implausível demais para ser levado a sério. Mas
em algum momento, as linhas que demarcam a seriedade acadêmica do fanatismo
ideológico foram apagadas e manifestações ideológicas de feminismo encontraram
espaço até mesmo dentro do ambiente analítico. Foram propostas áreas da
filosofia como a metafísica
feminista, a epistemologia e a
filosofia da ciência feministas, a ética feminista, a filosofia da
linguagem feminista, a filosofia política
feminista, etc. A metafísica feminista, por exemplo, parte da suposição de que as
teorias metafísicas sobre a estrutura mais fundamental da realidade propostas por
homens devem ser consideradas com cautela, pois podem ser distorcidas de modo a
privilegiar a sua masculinidade – o que é pra lá de estranho dado o tipo de
problemas que tem interessado quem trabalha com metafísica, por exemplo, o
problema dos Universais, do Livre Arbítrio, da Causalidade, entre inúmeros
outros. A suposição ideológica mais geral é a de que todas as áreas da
filosofia estão contaminadas pelo gênero nos seus conceitos mais elementares.
As feministas que me desculpem, mas isso é maluquice. E só para que fique bem
claro: isso não é uma crítica às feministas (ou aos feministas, pois o feminismo
não é uma prerrogativa das mulheres) genuína(o)s. Há feministas que apenas
defendem de maneira sensata a igualdade de direitos a despeito do gênero, mas
não se comprometem com o fanatismo ideológico, atitudes misândricas e não têm
obsessão por achar machismo em toda a parte. Se as feministas
extremistas se auto-intitulassem de qualquer outra coisa, eu poderia
denominá-las de modo diferente, mas como elas se autodenominam de
feministas eu tenho que usar esse termo.
19 de março de 2013 ⋅ Blog
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3 comentários :
Uma feminista de quem eu gosto muito é a Wendy McElroy. Só que ela tem pontos de vista singulares a respeito de uma série de temas caros ao feminismo tradicional. Além de feminista, ela é libertária/anarcocapitalista.
Vale a pena conhecer seu pensamento: http://www.wendymcelroy.com/news.php.
Para alguns artigos em português, indico http://www.mises.org.br/SearchByAuthor.aspx?id=317&type=articles.
Saudações,
Bernardo.
O tipo de raciocínio defeituoso que aqui denuncias não parece exclusivo do feminismo (ou de certas formas de pensamento denominadas "feministas") mas parece-me antes algo que o feminismo e outras "correntes" herdaram do tipo de atmosfera intelectual e filosófica dominante no século XIX. Estou a pensar no marxismo mas o marxismo não tem de ser a raiz absoluta de tudo isto. Parece-me fascinante, por exemplo, que nesse tempo se tenha chegado a pensar que os problemas da filosofia se reduziam a um: o da existência de Deus (ou numa formulação mais rarefeita, da "anterioridade do ideal sobre o material" ou algo assim) e que depois este suposto único problema crucial da filosofia fosse resolvido de um modo puramente psicológico/sociológico e não filosófico: Se mostrar-mos que as pessoas acreditam em Deus em virtude de algum mecanismo psicológico/sociológico está demonstrada a inexistência de Deus. Os problemas propriamente metafísicos acerca da existência de Deus são descartados como mera "poeira superestrutural". Como se nada houvesse para aprender acerca da realidade, e do nosso conhecimento dela, ao considerar esses problemas, independentemente de a nossa posição última ser a de crença ou descrença em Deus.
Mas o comentário que queria fazer era mais simples e menos ruidoso do que este tópico quase lateral. Fico na dúvida se as declarações que criticas neste comentário são todas exemplos da "falácia das más companhias" (cuidado com a teoria metafísica Y, pois foi defendida por P, que acreditava também em C, ou era amigo de A, ou whatever) ou se há algo mais profundo, herdado daquele ambiente intelectual oitocentista a que me referi.
Um raciocínio mau que não me parece um exemplo deste género de falácia é precisamente a ideia de que uma certa metafísica tem imediatamente consequências éticas ou políticas. Por exemplo, a partir do facto de que alguém defende a existência de universais inferir que essa pessoa está comprometida com uma qualquer "hierarquia" que seria legitimada pela teoria metafísica. Então a dialéctica do nosso herdeiro do oitocentismo seria algo como: "é preciso combater esta metafísica e defender aquela que legitima a melhor imagem moral e política do mundo." Daqui é apenas um salto para a ideia de que o critério para avaliar teorias metafísicas não é a adequação dessas teorias à própria realidade ou um qualquer conjunto de "desiderata" independentemente motivado, mas a ligação que se imagina entre a teoria metafísica e uma certa teoria moral ou política.
O problema é que saltos dialécticos como aquele entre a existência de universais e uma certa concepção moral e política das relações entre as pessoas parecem completamente injustificados. Como, por exemplo, é que o anarquismo político seria mais beneficiado por uma teoria metafísica de acordo com a qual tudo o que existe são particulares concretos no espaço-tempo? Como é que seria prejudicado por uma teoria metafísica que postula universais? O que parece haver aqui é uma enorme confusão entre que argumentos são relevantes para que fins.
Realmente é uma lástima o caminho que a academia está a tomar. O direito das palavras não permite que se chamem essas teses superficiais de "filosofia". E quem pode chamar-se de filósofo sem se inquietar diante disso?
Parabens pelo texto!
Prof. Getúlio Malveira
http://neolumenveritatis.blogspot.com
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